Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Agosto 03, 2001
Índice das Histórias já publicadas

Conversando com a chuva. 

E finalmente, ela chegou.

A chuva.

A tão esperada chuva paulistana...

Aquela que irá resolver os problemas do apagão?  Aquela que vai ajudar o governo desatento que nos deixou com esse mico na mão?

Talvez, ela possa, ao menos, a ajudar a evitar o racionamento de água...

Será que escapamos desse?

Bem, de qualquer maneira, ela veio nos beneficiar com sua presença pelo menos por algumas horas.

Chuva que traz energia para as plantas...

Que bate em nosso telhado, fazendo um som gostoso e aconchegante...

Gota por gota...

Em um ritmo incessante...

Gotas que enfeitam os vidros de nossas janelas...Escorrendo devagarzinho pela superfície lisa, deixando as imagens da cidade ainda mais difusas e confusas do que são na realidade.

Chuva que faz a alegria dos camelôs que vendem guarda-chuvas pela cidade...

Que alegra as crianças que, escondidas das mães prestimosas, conseguem chutar uma boa poça de água na calçada...

A mesma chuva que empossa em nossas calçadas e ruas esburacadas.

Que fazem me lembrar das ruas ainda de terra do Itaim antigo...Das brincadeiras que eu e meus irmãos, e minhas amigas, costumavam inventar, pulando os pequenos morrinhos, cercados de água da chuva depois do temporal, como se fossem pequenas ilhas a serem desbravadas pelos pequenos aventureiros...

Uma diversão alegre, saudável e engraçada, na medida que alguns de nós acabávamos caindo dentro do barro e saindo com a roupa encharcada perante as risadas de todos.

Chuva que, as vezes, se transforma em gelo...efêmero, que dura tão pouco, e logo se desmancha pelas entranhas da terra. Ainda me lembro das pedras de granizo pelo quintal de terra da nossa chácara...uma visão que me deixava perplexa, e ao mesmo tempo,  curiosa por mexer naqueles pedacinhos do céu. 

Chuva que provoca o vai e vem de quem corre para escapar de sua fúria...

Chuva que serviu de tema para Gene Kelly na cena antológica do filme “Cantando na chuva” nos encantando com seus movimentos leves e precisos pelas ruas molhadas de uma cidade.  

Chuva que liga o tic tac do limpador de para brisas dos automóveis.

Chuvas que inundam, desabrigam, encharcam os cidadãos paulistanos que vivem pelas ruas, por baixo dos viadutos, sem assistência das autoridades...

Chuvas que igualam as classes sociais nas dificuldades, mas as diferenciam nas soluções para enfrenta-la...

Chuvas que beneficiam agricultores... Os produtores e consumidores...

Chuvas de verão em pleno inverno...

Nesta semana tivemos até trovões e relâmpagos em pleno mês de julho.

Seriam chuvas virtuais?

Ou apenas fabricadas pela SABESP?

Mas isso não vem ao caso...

Não interessa a sua origem, as chuvas chegam e vão...Encantam alguns... Embalam as noites frias de inverno de outros, agasalhados em suas mantas... Mas também esfriam a quem não tem cobertura...

Chuvas que vão e vem pelas sarjetas da cidade, em um imenso desperdício...Servindo apenas como transporte para o lixo das ruas...

Cadê o barquinho de papel que as crianças gostavam de confeccionar? Estão perdidos nas lembranças de muitos adultos que hoje, saudosos, lembram-se dessa brincadeira nas enxurradas da São Paulo de antigamente.

Tal como eu que ainda lembro do olhar e da alegria do pequeno Júnior,  meu primeiro neto, quando eu o presenteava com esses pequenos barquinhos que eram levados pelas enxurradas de verão.

Enxurradas que levaram nossas esperanças, nossas alegrias, nosso encanto...

Um encanto que deve ser resgatado pelos jovens...A cada instante, a cada momento...

Mesmo em uma simples enxurrada, tal qual Gene Kelly...

Ou no simples fato de sabermos escutar a simplicidade do som das gotas de chuva nas janelas e telhados paulistanos.   

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