Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Junho 01, 2001
Índice das Histórias já publicadas

Breve história do bonde em São Paulo 

As nossas lembranças e memórias quase sempre estão relacionadas a imagens e sons guardadas em algum canto de nossa mente.

De vez em quando, ao ouvirmos sons parecidos ou ao depararmos com imagens antigas, algo acontece e nos emociona. O coração dispara, uma energia nos renova e relembramos dos momentos felizes de nossa juventude, nossa infância. Assim é que acontece quando remexo meus guardados e vejo fotos. Ou revejo revistas antigas com paisagens paulistanas... A moda, os costumes, as  profissões, os transportes. Especialmente, um meio de transporte me marcou profundamente e faz relembrar boas recordações. O bonde, esse charmoso veículo que transportava São Paulo, de maneira agradável, suave, na típica velocidade dos anos 30 e 40. Ainda no século XIX, os bondes em São Paulo eram puxados a burro. Meu sogro, Gennaro Sguillaro, logo ao chegar da Itália, foi motorneiro desse tipo de transporte.

Nesta foto, cá estou em um bonde em pleno século 21, ano 2001, no Memorial do Imigrante em São Paulo. Pois é, atualmente, bonde só mesmo em museu! 

Chego até a pensar que o bonde talvez fosse uma das soluções para esse trânsito caótico que enfrentamos...menos ônibus e carros nas ruas... menos poluição...mais transporte  de qualidade. Eficiente, poderia complementar as linhas de metrô e lotação. Mas, isso é apenas um sonho de quem já viveu  esses tempos tranqüilos em que o bonde nos transportava de lá para cá, sem pressa, mas com competência...Nos  bondes de São Paulo,  freqüentavam profissionais de todas as áreas, ricos, pobres, em uma convivência pacífica, característica de uma cidade ainda com ares interioranos, mas cosmopolita o suficiente para ser procurada por multidões em busca de riqueza e felicidade.

Resolvi pesquisar e me aprofundar um pouco mais sobre a sua história. Dessa forma, resgato a minha própria história. Aqui está essa breve pesquisa:

No ano de 1899, investidores canadenses fundaram no Canadá a The São Paulo Railway, Light & Power Company Ltda. Essa empresa conseguiu autorização para atuar no Brasil e construir a linha ligando o Centro à Penha. No ano de  1900, a Light inaugurou o sistema de bondes elétricos em São Paulo e adquiriu os bondes puxados a burro da Companhia Carris de Ferro de São Paulo, empresa  que já existia desde 1872, com um sistema de diligências por trilhos de ferro.

Interessante notar que, durante a noite, os bondes possuíam sinais emitidos por lanternas de várias cores que indicavam as linhas em trafego. A lanterna azul indicava a linha "Bom Retiro", a lanterna verde indicava a linha "Penha", a lanterna branca indicava a linha "Avenida". Segundo Werner Vana, “ em 1900 a Light possuía em serviço 15 Bondes de passageiros, e alguns outros de serviço”.  Quatro anos mais tarde já eram 71 carros e em 1910 o total era de 201.

Em 1921 a linha elétrica de Santo Amaro foi prolongada até o outro lado do Rio Pinheiros no Largo do Socorro. Por volta de 1926, São Paulo começou a se desenvolver de forma desordenada. A periferia foi crescendo, se afastando do centro e esta periferia não dispunha de condução para o centro. Foram criadas novas linhas, como a que seguia até a Cidade Jardim, considerada suburbana.

O bonde era um transporte muito utilizado por todos os moradores. Nós, do Itaim-bibi, costumávamos utilizá-lo para ir ao centro: a linha vinha pela Rua Augusta até a Praça do Vaticano onde fazia o balão, depois ela foi estendida até ultrapassar a ponte do Rio Pinheiros, seguindo pela atual avenida Cidade Jardim.

Por volta de 1940, a frota de bondes estava diversificada com vários modelos. Como por exemplo, o bonde "Camarão". No início, a população estranhou, depois se acostumou com o bonde fechado. No entanto, sem ar-condicionado, o camarão era muito abafado e todos diziam que os passageiros pareciam "sardinha em lata" dentro dele. Havia também o "Jacaré", um bonde todo verde que fazia a linha para Santo Amaro e também existia o “Caradura”, um  bonde que era atrelado e puxado pelo da frente, assim levando mais pessoas.

O balanço do bonde e o sons de suas rodas junto ao trilho no chão ficaram para sempre nas lembranças dos paulistanos, nos velhos tempos em que a cidade ficava envolta em garoa e neblina nas manhãs de inverno e somente o barulho, ao longe, do bonde, indicava aos passageiros a sua chegada.     

Havia também o bonde "Centex", também conhecido como  "Gilda" por conta de  um filme estrelado por Rita Hayworth. Este bonde tinha uma placa escrita CENTEX (Central Exit ) indicando que a saída era feita pelas portas centrais. (Foto: Museu do Transporte público Gaetano Ferolla –SPTRANS- Av Cruzeiro do Sul 780 SP)

Na década de 60 teve início a sistemática extinção de linhas e os serviços foram  ficando precários e deficientes. Era o fim desse transporte barato e não poluidor.

Várias pequenas linhas foram abandonadas como a  Barra Funda, Vila Prudente, Bresser, Bosque, Jardim Paulista.

Finalmente, a CMTC anunciou que iria encerrar completamente a operação dos bondes na cidade de São Paulo: a última linha a parar foi a que servia Santo Amaro. “No dia 27 de março de 1968, na estação de bondes da Vila Mariana, o bonde camarão número 1543 recebe todas as atenções: era anunciada a "Cerimônia do Adeus". À tardinha ele foi conduzido até a parada Instituto Biológico, onde já havia intensa movimentação de pessoas vindas de todos os cantos da cidade. A linha Biológico - Santo Amaro (antiga Praça da Sé - Santo Amaro) era a última linha de bondes em operação na cidade de São Paulo. Por volta das 20h00, o 1543 parte em direção ao bairro de Santo Amaro. A comitiva de 12 bondes, todos lotados de populares, sendo que no 1543 encontravam-se o Prefeito Faria Lima e o Governador Abreu Sodré. Nas paradas Campo Belo e Alto da Boa Vista receberam homenagens. O fim da viagem de ida aconteceu no Largo 13 de Maio, onde perto de 5.000 pessoas aplaudiram a chegada dos bondes. Após os discursos e despedidas, a comitiva retornou para Vila Mariana. E esta foi a última vez que os bondes percorreram as ruas de São Paulo.” ( op.cit)           

Fontes de consulta:

Convide um amigo para ler esta matéria 

Envie seu comentário à autora deste artigo

Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida, armazenada em sistema de recuperação de dados ou transmitida, de nenhuma forma ou por nenhum meio eletrônico, mecânico, de fotocópia, gravação ou qualquer outro, sem a prévia autorização por escrito da autora.