Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Junho 22, 2001
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Quanta saudade! Mês de junho...

Saudade...das nossas brincadeiras... das nossas fogueiras durante a madrugada cheias de neblina...das nossas conversas, todos sentados nos morrinhos de terra...das nossas sortes...do nosso café feito com o braseiro da fogueira...e dos nossos vizinhos todos reunidos para brincar e cantar...Tudo isso foi realidade no nosso Itaim!     

Antigamente, o mês inteiro era festa!

Todos se envolviam de tal forma que a alegria contagiava...era uma obrigação ficarmos felizes e alegres neste mês...Até mesmo discos e músicas sobre temas juninos eram lançados pelas estações de rádio, fazendo muito sucesso. Todos cantavam: é noite de São João....o céu fica todo iluminado...pintadinho de balão...o balão vai subindo...vem caindo a garoa...o céu é tão lindo... a noite é tão boa...São João ... São João ... acende a fogueira no meu coração...

Os festejos juninos eram motivo de reunião da comunidade e participação de todos.. Já tive a oportunidade de contar aqui nesta coluna, sobre as festas que aconteciam na minha infância do Itaim-bibi...

Mas, não posso deixar de relembrar novamente estas festas e tudo aquilo que fazíamos para comemorar  São João...Afinal, foram momentos intensos que vivemos...

Eu, por exemplo, era uma especialista em confeccionar balões. Eu e meus irmãos ficávamos várias horas, noites inteiras, cortando o papel de seda com muito cuidado e colando todas as partes. O balão que eu mais gostava  de fazer era o modelo mexerica...Cortávamos os gomos da mexerica e íamos colando passo a passo, usando uma cola caseira feita com massa de pão. A dedicação era total!

E, na noite de São João, ele estava pronto. A emoção era imensa ao vê-lo ser aceso com cuidado para ser queimado... O coração disparava forte, emocionando a quem tinha feito com as próprias mãos, quase uma obra de arte.

E o céu que já estava brilhante, ficava todo iluminado...Olhando para cima, as estrelas e os balões  mostravam um espetáculo maravilhoso...pareciam dançarinos, bailando pelo espaço, comemorando o santo padroeiro...

E de repente, chegava a hora de ele ir embora...aquele balão, que por alguns dias, fizera parte de nossas vidas, agora ia embora... como se estivesse levando nossas esperanças e nossos desejos para o céu...para ficarem bem pertinho dos santos...para, quem sabe, eles os atenderem mais depressa.

Olhando o balão subir, era como se nossa arte, nossa expressão, estivesse sendo levada pelo vento e admirada por muitas pessoas...Enfim, naquele tempo, soltar um balão era um momento mágico, inebriante...mesmo que ele caísse há poucos metros, já apagado...todo o trabalho tinha valido a pena.

No entanto, o tempo passou... a cidade cresceu...as indústrias e os prédios nos cercaram...os postes e os fios de alta tensão nos enredaram...e soltar balão ficou impossível...e proibido.

Perdemos a beleza e a sensibilidade para a feiúra  dos muros pichados, para a agressividade urbana, para o céu poluído... Perdemos a emoção para a poluição...  

Certa vez, passei por uma experiência inesquecível...Eu e minha família vínhamos de uma festa junina realizada em São Bernardo do Campo...A certa altura, o nosso carro teve dois pneus furados... estávamos em uma íngreme ladeira e paramos o carro em uma vila, para não atrapalhar o trânsito. Eu, minha filha e minha neta, com um ano de idade, ficamos paradas ali fora do carro, enquanto meu genro pegou uma carona até um borracheiro...Nesse período de espera, observávamos ao longe, um grande  balão com várias lanternas penduradas, subindo e subindo...Ficamos olhando o balão por um bom tempo, seguindo-o...Até que... o imenso balão começou a se tornar, cada vez mais, maior e maior...isto é, ele estava caindo literalmente em nossas cabeças...uma situação horrível...Atravessamos a rua correndo, fugindo em pânico... no entanto, demos de cara com uma multidão de pessoas que subiam a ladeira atrás do balão...Eles vinham e nós íamos contra todos...Foi uma tremenda confusão...O balão caiu no chão ao lado da traseira do nosso carro, bem onde  estávamos paradas...e sua tocha respingou cera derretida em todo o nosso carro pois nós não podíamos retirar o carro porque ele estava suspenso pelo macaco. O pessoal apagou os restos que ardiam pelo chão. Toda essa cena durou cerca de cinco minutos, de verdadeiro susto e medo... Logo toda a gente foi embora e novamente nós três ficamos na rua, sozinhas, perto do carro, todo manchado...Quando meu genro chegou, parecia que nada havia acontecido, salvo as cinzas no chão e os pingos de cera...Trocamos os pneus...e fomos embora, certos que brincar com balão é terrivelmente perigoso...para todos! Quando a gente menos espera, tudo pode acontecer! Nunca solte balões!    

Mas, apesar de tudo, os costumes populares que festejam os santos católicos, ainda cativam os paulistanos. Aqui e acolá, as festas juninas vão surgindo...sejam para arrecadar recursos financeiros, sejam para divertir os alunos das escolas...a tradição vai sendo mantida...ainda bem!

As bandeiras de papel de seda coloridas começam a ser recortadas pelas crianças e penduradas com cuidado pelos adultos nas lojas, nas barracas de quermesses, nos pátios das escolas...Lembro-me com carinho, dos tempos em que ajudava nas barracas das quermesses das escolas: pescaria, roleta, arcos, boca do palhaço...Ajudávamos a comunidade e nos divertíamos a valer. E a minha contribuição também era feita com muita dedicação, quando confeccionava os vestidos de caipira de minhas filhas e netas...escolhia desde as rendas, os enfeites, a saia rodada até a pintura um pouco carregada nas faces rosadas das garotas e o chapéu de palha enfeitado com flores não podia faltar.   

Hoje, as festas são mais raras, no entanto o  cheiro gostoso de pipoca e amendoim torrado volta a flutuar pela cidade e pelos bairros, nos estimulando a consumi-los...

Até  mesmo nos supermercados vemos as barracas de produtos típicos arrumadas bem na entrada, à nossa frente...isso para não esquecermos que este é o mês das alegrias juninas  que voltam a nos cativar...a nos encantar...

Até  mesmo as camisas de flanela xadrez e os vestidos de chita cheio de rendas são encontrados nos cabides das lojas e magazines...

Ainda bem!

Ainda bem que conseguimos manter algumas tradições antigas...apesar de, comparadas aos velhos tempos, serem comemoradas de forma tão pouco envolventes...

Leia também: As luzes de São João

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