Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Maio 25, 2001
Índice das Histórias já publicadas

O céu de outono em São Paulo. 

São Paulo ainda resiste...

Outono....

Um frio especial e um céu brilhante...

Certos dias podemos, e devemos,  olhar um céu claro e azul em São Paulo. Imensamente azul ...um azul que nos protege...isso mesmo, um grande manto azul que nos protege dos raios de sol...uma camada de azul que nos envolve e aconchega. Que encobre e acoberta esta Terra linda e bela, que ainda não aprendemos a cuidar. 

Mas, olhando o céu de outono de São Paulo, sem poluição, sem nevoeiros, um certo orgulho paulistano até surge de dentro de nosso peito e  nos enleva. Pela beleza dos prédios brilhantes, das avenidas largas, dos jardins verdes, do progresso... Estarei sonhando?  

Antigamente tínhamos orgulho em dizer que São Paulo era a locomotiva do país ou a cidade que mais crescia no mundo! E agora? Qual foi o  preço que pagamos por essa fama? 

Como sentir orgulho de uma cidade que tem que parar a força, sem energia?

Como sentir orgulho de uma cidade poluída, suja,  agressiva e mais ainda, escura? 

Mas, deixemos de lado as mazelas... voltemos a olhar para o nosso céu de outono...

Poderemos ainda ver e ouvir alguns pássaros. Posso dizer que,aqui no meu jardim, eles ainda comparecem atraídos pelas árvores frutíferas que mantenho e cuido com carinho.

Porque, cuidando da natureza, ela nos recompensa.

Cuidando e plantando minhas árvores, tenho a recompensa de

receber a visita de sabiás-laranjeiras, bem-te-vis, pardais , beija-flores e até mesmo sanhaços . Imaginem só...sanhaços azuis...lindos...

Eles voam livremente, como nós gostaríamos de viver...buscam sua sobrevivência pelos telhados e janelas dos edifícios em meio as perigosas linhas de energia.

Aqui, em pleno Itaim-bibi ainda temos árvores que abrigam dezenas de pássaros...diariamente, há muitos anos, acordo ouvindo seu barulho gracioso e no final do dia, todos retornam para se acomodar em meio as folhas aconchegantes.

E as pombas? Quantas insistem em sobrevoar os postes...outro dia  uma delas apareceu em meu quintal, com uma perna só, provavelmente decepada por algum fio de alta tensão...mas elas insistem, e tal como os paulistanos, não desistem de viver aqui...buscando sempre o mínimo para sobreviver...

Há muitos anos, desde a minha infância, eu observo um fato interessante e belo: as garças que vem e vão...Um ritual diário, passado de geração a geração... Talvez a grande maioria dos paulistanos, nem repare nesse fato que ocorre aqui, bem debaixo de nossos olhos ou melhor, acima das nossas cabeças ... Simplesmente uma prova de que a natureza é incrivelmente perfeita: as garças percorrem o mesmo caminho, ano após ano, década após década: de manhã bem cedo, na aurora do dia, elas saem do Ibirapuera e vão em direção ao Morumbi... e no final da tarde, no inicio da noite, retornam pelo mesmo caminho. Felizmente elas passam bem por cima de minha casa...o mesmo local desde 1925. Ainda criança, gostava de ficar imaginando seu roteiro, suas histórias, e para onde iam, o que faziam e porque voltavam...e até hoje não tenho respostas. Apenas constato esse fenômeno, dia após dia...são belas, brancas e brilhantes sob a luz do sol da tarde, com as grandes asas abertas. Hoje passam em pequenos bandos, que antigamente eram enormes... São apenas uma dezena de garças, que ainda resistem.... tal como nós paulistanos, elas vem e vão numa rotina diária meio maluca, meio sem sentido, até estressante.

De vez em quando eu torço para que nenhuma delas encontre algum dos tantos helicópteros que cruzam seu caminho...talvez elas saibam que eles é que são os intrusos e não se retiram...pois já eram donas desse espaço bem antes...uma herança de um instinto passado por seus pais, avós.

Outras aves convivem conosco pela cidade. Não tão belas, mas úteis para a comunidade: os urubus. Sabemos que existem pela cidade e que muitos já até fizeram ninhos nos beirais dos grandes edifícios. Sobrevivem dos lixões e lixos que hoje campeiam por aí. Aliás, devem estar bem satisfeitos...

De vez em quando também surgem gaviões e corujas. Já soube de casos aqui na região do Ibirapuera de corujas noturnas voando pela noite escura.

Pois é ... o céu do outono paulistano esconde belezas...

E a noite, cada vez mais profunda e escura, esconde as tramas dos ratos e morcegos que avançam sorrateiros pelos esgotos e ruas.

São Paulo ainda resiste... saberemos sempre encontrar alguma beleza em suas esquinas.. Se tivéssemos um pouco de mais atenção com a natureza, aprenderíamos a valorizar cada instante que vivemos...e aprender que a vida passa, de qualquer forma... e que, apenas olhar o céu de outono já é uma grande felicidade.

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