Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Março 30, 2001
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Lembranças radiofônicas

Desde que o Homem descobriu uma forma de transmitir sua palavra através do espaço, a vida nunca mais foi a mesma...Aliás, certas invenções, quando dão certo, alteram profundamente a vida das pessoas...Desde conceitos e valores até em seu cotidiano.

Mas, a invenção do rádio no final do século XIX causaria grandes alterações na forma de comunicação entre pessoas...Talvez, naquele momento, tido por alguns como mágico, esteja a gênese da tal globalização que hoje vivemos...

Enfim, o fato é que a palavra humana já podia chegar a qualquer lugar através do espaço, sem fio, apenas com antenas...

Dizem que em 1892, um padre brasileiro chamado Roberto Landell de Moura fazia pesquisas nesse campo e conseguiu fazer uma transmissão radiofônica antes mesmo do italiano Marconi. O padre chegou a pedir a patente da invenção, mas foi chamado de bruxo ou louco por seus compatriotas...E o Brasil perdeu a chance de ser o país do inventor do rádio.

No Brasil, a transmissão radiofônica começou em 1922 (eu tinha apenas quatro anos de idade!).

Na década de 30, já existiam 29 emissoras de rádio no Brasil.

Eu e minhas amigas, jovens e curiosas, adorávamos a novidade.

Imaginem a nossa emoção em poder escutar vozes transmitidas de lugares longínquos...Simplesmente fantástico.

Inicialmente os rádios eram só aparelhos receptores com  fones de ouvido. Para usufruir da mais “moderna tecnologia”, eu acordava de madrugada, pegava o aparelho de rádio, ligava-o na caixa de luz atrás da porta de entrada da minha casa, colocava o fone em meu ouvido e, finalmente, me deliciava com a transmissão. Mesmo que ficasse agachada ou sentada em uma cadeira, meio desconfortável, a emoção de ouvir esses sons compensava. Eu ouvia óperas...Isso mesmo, a programação era composta de óperas sem textos. E com um volume bem baixinho.

Depois começaram a aparecer os modelos de rádio com alto-falante, o que permitia que várias pessoas pudessem escutar a programação. E então, quando o Sr Jacinto Barbosa, nosso vizinho, ligava seu rádio podíamos ouvir de nossa casa os fados das cantoras Severa e Amália Rodrigues.

Na década de 40, os aparelhos de rádio estavam se tornando mais comuns. A minha sogra já possuía um modelo conhecido como Capelinha, pois o formato era parecido com uma pequena igreja. As novelas de rádio, as músicas populares e clássicas, as fofocas dos artistas e as histórias de suspense já distraiam o povo paulistano...Podíamos ouvir comentários entre as vizinhas e familiares sobre as novidades das cantoras e cantores do rádio. Haviam também notícias e transmissões religiosas.

Depois que minha mãe faleceu, em 1945, o meu irmão Accacio, ainda solteiro, veio morar em minha casa, pois eu já estava casada com Nicola. E foi o meu irmão que comprou o nosso primeiro rádio com alto-falante com o seu primeiro salário...Uma emoção. Ele o trouxe para nossa casa com orgulho e alegria...Agora, nós já podíamos nos inteirarmos das novidades radiofônicas da época.  

A Rádio Record era famosa com os seus cantores Francisco Alves, Emilinha Borba, Dircinha Batista, Carmem Miranda, Orlando Silva, Silvio Caldas. A Rádio São Paulo fazia imenso sucesso com suas radionovelas e dramas que faziam parar as donas de casa em seus afazeres domésticos. As radionovelas eram transmitidas aos sábados e eu as ouvia com interesse e atenção enquanto areava as panelas deixando-as brilhantes para depois pendurá-las no tripé da cozinha. Os locutores/atores preferidos eram a Edith de Morais e o Manoel Durães.

Por muitos anos, o rádio foi nosso companheiro, nos emocionando e nos distraindo em nosso trabalho diário. Afinal, ao contrário da televisão, não tínhamos necessidade de parar nossos afazeres para se divertir. Certos momentos ficaram marcados na memória, como as transmissões radiofônicas das Copas do Mundo de futebol nos anos de 1950 e 1958 que foram inesquecíveis. E os modelos não pararam de evoluir.

Hoje, quase não ouço rádio...A televisão ocupou o espaço que dedicávamos ao pequeno aparelho...Mas, com certeza, a sua importância cultural e sociológica para nossa sociedade vai ficar para sempre.. Ele nos encantou por muitas e muitas noites estreladas ao pé de nosso ouvido, a beira da janela...Ouvir as melodias nas frescas noites de antigamente, quando a tranqüilidade e o sossego faziam parte de nossa cidade...Os sons e a nostalgia das velhas estações de rádio ficaram no passado, assim como nossa vida amena e feliz no velho Itaim-bibi.

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