Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Abril 28, 2000
Índice das Histórias já publicadas

Lembranças fazem parte de minha vida. Porem aprendi a me atualizar sempre. Ao longo desses oitenta anos, percebi como o dinamismo social apagou certos costumes e os reconstruiu no cotidiano da comunidade. Hoje tenho a oportunidade de participar dos acontecimentos do Itaim por meio da linguagem virtual e fazendo comparações com fatos de setenta anos atrás, lembro-me de profissionais que não existem mais e que desempenharam importantes papéis junto as famílias do nosso bairro. Aqui no Itaim, lá pelos idos das décadas de 20 e 30, haviam profissões que hoje seriam consideradas, no mínimo, "sui generis’. Eram trabalhadores que vendiam seus produtos de porta em porta. Uma espécie de "delivery". Para comprar certos produtos, nós não precisávamos sair de casa. Querem maior conforto???? Não havia trânsito, nem filas em supermercados, nem estacionamentos cheios... Bons tempos, bons tempos...

O mascate, por exemplo, vendia qualquer coisa, desde linhas, tecidos até móveis. Caminhando pelas ruas, ele carregava as encomendas em duas cestas presas ao pescoço com uma cinta, deixando -as penduradas ao longo do corpo.

Outro profissional que, de vez em quando, aparecia em nossa porta era o tripeiro. Tocando um chifre de boi, ele avisava que vinha chegando. Em sua carroça refrigerada a gelo, trazia fígado, coração, bucho e as tripas, que ficavam penduradas, balançando perto de sua cabeça . Impressionante!!!

Outro trabalhador que usava carroça para vender seus produtos era o peixeiro. Podíamos sentir de longe quando vinha chegando... Havia também o batateiro e o carvoeiro, que era especial.... ele vinha todo sujo de carvão puxando uma carrocinha e as crianças morriam de medo dele. O coitado era usado pelas mães para ameaçar os filhos mal comportados . Um horror!!!! Não lembro muito bem dele porque logo que aparecia eu já ia me esconder....

Mais simpático era o vendedor de palha. Ele vinha puxando um burrico que carregava seis sacos cheios de palhas de milho, três de cada lado. As pessoas compravam as palhas para preparar recheios de almofadas, travesseiros, colchões, etc.

Frequentemente, víamos os tropeiros ...eles usavam a Chácara Itaim como rota para passar com as tropas de bois. Vinham pela antiga Estrada de Santo Amaro acompanhando as manadas e os carros de boi. O barulho que faziam já era nosso conhecido e então corríamos para ficar na cerca de nossa chácara, vendo-os passar . Uma cena inesquecível. De vez em quando eu e meus irmãos também íamos ver os barqueiros do Rio Pinheiros . Eles ficavam no porto de areia que havia no final da Rua do Porto, hoje Rua Leopoldo Couto Magalhães Júnior .

Mas, uma profissão eu devo destacar: a de lavadeira . Quero explicar melhor: passados seis meses morando em nossa nova casa, o sonho de meu pai de se transformar em um próspero comerciante do Itaim, desabou. Certo dia, ele se sentiu mal e veio a falecer repentinamente. Minha mãe estava em final de gravidez e no dia da missa de sétimo dia de sua morte, o meu irmão Acácio nasceu. Ficamos nós cinco: minha mãe, meus três irmãos e eu. Buscávamos forças para superar as dificuldades, principalmente as financeiras, e então resolvemos ir à luta. E a solução era o trabalho. Minha mãe começou a trabalhar como lavadeira. Usando uma carroça, ela ia uma vez por semana, buscar o serviço em um seminário de padres na Rua Tiradentes. Trazia a trouxa de roupas, lavava, passava, e nós, mesmo pequeninos, a ajudávamos, separando as roupas, embalando e numerando cada peça. Por muito tempo, minha mãe sustentou a nossa casa dessa forma. Mais tarde, eu e meus irmãos iríamos vender flores e verduras pelas ruas do bairro. Mas... esta é outra história, que contarei outro dia ... Por enquanto, fica aqui a minha homenagem a todos os trabalhadores que, de alguma forma, contribuíram e contribuem para a melhoria da qualidade de vida em nosso bairro.

Convide um amigo para ler esta matéria 

Envie seu comentário à autora deste artigo

Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida, armazenada em sistema de recuperação de dados ou transmitida, de nenhuma forma ou por nenhum meio eletrônico, mecânico, de fotocópia, gravação ou qualquer outro, sem a prévia autorização por escrito da autora.