Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Julho, 14 de 2002
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Manhãs de futebol

As manhãs de domingo nas casas do Itaim eram esperadas com ansiedade.Os jovens rapazes, filhos das famílias da região tinham um encontro marcado. Não poderiam faltar. O compromisso era sério e inadiável: o encontro com a bola. Aquele desafiante objeto que insiste em escapar do controle de quem o toca.

Os jovens se encontravam nos campos de futebol , espalhados pelo bairro. Todos se uniam. Todos sentiam a necessidade de dominar e ter o poder sobre ela. A bola. Nem que fosse por alguns segundos... só para carregá-la com carinho. Tocando-a com os pés . A desobediente bola, que insistia em se dirigir ao gol adversário. ..

Mas a alegria de estar junto dela era algo maior que superava as dificuldades iniciais dos jogadores amadores.

Pude acompanhar de perto essa idéia fixa pela bola desde bem pequena, com apenas cinco anos de idade. Eu e Alberto ficávamos espiando de longe, na Rua Frei Caneca, as partidas de futebol na Saracura Pequena entre os morros dos Ingleses na Bela Vista. Podia até observar o movimento dos pequenos pés de Alberto como se quisesse estar jogando entre os jovens adultos.Mas esse seu objetivo logo seria alcançado. Com o passar dos anos, aqui no Itaim foram fundados vários clubes e times de futebol. Não era só Alberto o único a sentir aquela atração pela bola!!!!.

Um dos primeiros clubes do Itaim foi o "Marítimo F. C." fundado em 1928 na Rua Santelmo , hoje Rua Cojuba. Os jogadores eram moradores que trabalhavam a semana inteira como comerciantes e outras profissões, e que no final de semana se reuniam para jogar. Todos se organizavam de tal forma que conseguiam pagar despesas para a compra de uniformes, transporte de jogadores para outros locais, manutenção do campo, etc. Alberto logo começou a jogar futebol no Marítimo. Acácio , meu irmão menor , e o meu tio eram torcedores assíduos de seus jogos. Certo dia aconteceria algo pitoresco... O meu tio ao chegar no campo foi procurar um lugar especial para sentar...não queria sujar as calças com a terra e a poeira . Procurou e procurou até que encontrou um morrinho de terra. Achou que aquele lugar seria ideal e se acomodou, preparando-se para torcer pelo sobrinho. Os minutos foram passando, o jogo já corria solto, mas algo o incomodava. De vez em quando sentia um certo desconforto, mas não entendia muito bem o motivo...até que ele sentiu um forte movimento embaixo de seu corpo!!! Imediatamente deu um pulo para cima e qual não foi sua surpresa ao ver que havia sentado em cima de uma cobra enrolada no meio do arbusto. Foi uma gritaria geral...O jogo foi paralisado e todos queriam pegar a cobra, que fugiu sorrateira. Ninguém ficou sabendo se a cobra era perigosa, mas o meu tio realmente teve muita sorte naquele dia.

Três ou quatro anos depois, foi fundado o "Flor do Itaim Futebol Clube". A sede desse clube ficava localizada na Rua Tapera, hoje Rua Bandeira Paulista . E o seu campo ficava na Rua Joaquim Floriano onde por muitos anos funcionou a fábrica de chocolates Kopenhagen . Como esse clube ficava mais próximo de nossa casa, Alberto resolveu ser jogador desse time. Todas as manhãs de domingos, lá ia todo empolgado . E nós, minha mãe e eu, preparávamos o almoço especial esperando a sua volta. Voltava todo sujo de terra e barro... O pior era se acaso o time tivesse perdido... isso já conhecíamos de longe pelo seu jeito bravo de caminhar e a sua expressão do rosto. Mas se houvesse ganho, ah... o almoço era alegre e festivo.

Certa vez, o "Flor do Itaim" recebeu o time de futebol da Vila Nova Conceição, verdadeiro desafeto de nosso bairro. O desafio entre os dois times era enorme. E o jogo esperado com ansiedade.

Alberto e NicolaO time adversário chegou de caminhão enfeitado com faixas e muita gritaria. E o jogo começou...mas passado pouco tempo, logo terminou... e terminou em pancadaria sob chuva de melancias...

Uma briga só... não houve feridos pois o pessoal não era violento, mas o time adversário aproveitou o caminhão, que já estava com o motor ligado, para fugir ... saíram correndo mesmo. E isso foi motivo de comentário pelo bairro para mais de uma semana .

Passados alguns anos, em 1936, o envolvimento dos moradores era tão grande que até mesmo a minha casa se transformou em sede de clube de futebol. Nesse tempo, eu já tinha dezoito anos. Nós tínhamos vários amigos, e eu já estava namorando um rapaz chamado Nicola, que viria a se tornar meu marido. Imaginem que a turma toda resolveu fundar o clube "Os Onze Florianos". Eu fui eleita, por unanimidade é claro, como madrinha e tive a incumbência de bordar a bandeira do Clube. Alberto e Nicola desenharam o uniforme e o símbolo. Conseguimos comprar os uniformes. Na foto à direita podemos ver o Nicola, com dezenove anos, de chapéu e terno, ao lado de um dos jogadores do nosso time, o Saro Romeu, no campo do Marítimo.

Foram anos alegres e divertidos. Por algum tempo o nosso clube existiu... chegamos a jogar e a participar de competições.

O esporte foi, é e sempre será a forma sadia de gastar energias... E energia é que não nos faltava. Inventávamos sempre atividades para que todos participassem . Bailes, festas, serenatas, grupos de cantores e o time de futebol. O espirito de união... o desafio e a competição saudável... esses eram os pensamentos que empolgavam os jovens do meu tempo.

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