Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Agosto 18 de 2000
Índice das Histórias já publicadas

Retalhos do Itaim antigo

Uma das vantagens de se ter oitenta e dois anos de idade é a chance que se tem de lembrar sobre fatos e acontecimentos, pessoas e até mesmo objetos que com o passar dos anos, caíram em esquecimento ou em desuso, coisas que inevitavelmente, ficaram no passado.

Ou então ter a oportunidade de assistir a evolução do conhecimento do Homem, sua capacidade criativa e sua versatilidade em inventar as mais diferentes formas para viver bem.

Alguns objetos usados no cotidiano de nossas casas, ficaram somente na memória tais como o ferro de passar roupa a carvão, o candeeiro, a lamparina, as canetas de pena, velhos tamancos, o incrível escovão de encerar chão, o engraçado tripé de panelas, o circunspecto guarda-louças. Ou então costumes como lavar a louça com cinzas e areia pois não existia palha de aço.

Ou a delícia de se dormir em um macio colchão recheado de palha. E que colchão especial! Imaginem que em seu forro até existiam dois lugares especiais para se enfiar a mão e revolver as palhas deixando-as soltas e leves. Aliás era necessário um verdadeiro ritual para se preparar o tal colchão. Praticamente todos nós ajudávamos a rechear o seu forro. Comprávamos a palha de um vendedor que vinha mensalmente em nossa porta. Cortávamos os nós das espigas, desfiávamos a palha toda para depois secá-la e colocá-la no interior do forro. Quando o colchão estava pronto, eu fazia questão de brincar pulando em cima só para provocar o seu afundamento. Era muito divertido.

Quando, em 1936, a primeira casa de móveis do Itaim foi aberta, pudemos comprar um colchão pronto, desta vez recheado de crina. O dono da loja chamava-se "Seu" Alberto e a loja ficava localizada na Joaquim Floriano na altura do número 400. Aposentamos o antigo colchão, mas com certeza, a maciez e a suavidade do nosso colchão de palha, na verdade recheado de carinho, nunca mais eu senti!

E os travesseiros? ! Eram recheados de flores macelinhas... natural e saudável... Hoje só encontramos esse tipo de travesseiro em lojas de produtos naturais. Pois é , os anos se passaram mas ainda existem pessoas que procuram estar junto a natureza até mesmo na hora de dormir.

Mas alguns objetos evoluíram, ao invés de desaparecerem, demonstrando progresso até nas mínimas mudanças. Como o pó de arroz e o carmim....afinal as moças daquele tempo eram tão vaidosas como as de hoje! Aliás o meu primeiro presente que ganhei do Nicola, meu namorado, foi exatamente um lindo estojo de carmim...

Perfume

E novos produtos surgiam .

Nas padarias do Itaim antigo já encontrávamos o famoso Guaraná Champagne da Antactica

Guaraná

E nas Pharmácias do bairro como a Santa Eulália e Brandão, já podíamos comprar o primeiro creme dental Kolynos.

Kolynos

Naquele tempo comprar alimentos significava ir até o Mercado Central e consumi-los quase que imediatamente. As primeiras geladeiras que apareceram eram móveis onde existia um lugar adequado para se colocar um pedra de gelo, a qual era trocada todos os dias. Observando as geladeiras atuais fica claro que, felizmente, nesse aspecto, evoluímos!

Consumir leite por aqui então era, no mínimo, peculiar. Aliás uma das coisas mais comuns no Itaim antigo era tomar leite de vacas e cabras. Existiam por aqui várias propriedades que produziam leite. Logo cedo ouvíamos os sons dos baldes sendo levados para a ordenha. Era muito comum comprarmos o leite direto do dono das vacas. Se quiséssemos leite de cabra então, havia um especial senhor "cabreiro" que trazia suas cabras pelas ruas tocando as sinetas e anunciando o leite tirado na hora. Mas houve um tempo que uma simples lei deixou os vaqueiros e "cabreiros" do Itaim em situação delicada... A venda direta de leite ao consumidor foi proibida. Eles deveriam mandar os cântaros com o leite diretamente às usinas para que fosse pasteurizado...No entanto nós, vizinhos e amigos, ainda por alguns anos continuamos recebendo o mesmo leite fresquinho.

Mas certas coisas fazemos questão de esquecer ... como as doenças que existiam antigamente e que felizmente foram erradicadas. Fico triste em lembrar que tantas crianças aqui do Itaim antigo, inclusive um dos meus irmãos, faleceram por não terem vivido no tempo das vacinas. Morando distante do centro e dependendo de pouco transporte, as famílias do Itaim sofriam para serem atendidas em casos de emergência. As doenças eram muito comuns e dizimavam sem piedade. Fico feliz em poder contar que muitas dessas doenças desapareceram e as vacinas venceram.

Bem , estas são apenas algumas lembranças de quem atravessou o século XX observando a vida e o Homem, seus feitos e seus efeitos, suas conquistas e suas derrotas. Apenas simples coisas.. ou coisas simples que se transformaram... basta apenas, saber olhar.

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