Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Setembro o1 de 2000
Índice das Histórias já publicadas

Quando nossa escolha é fundamental.

Nestes tempos de decisões políticas refletir um pouco sobre a influência de fatos políticos e históricos em nossa vida cotidiana, é uma forma de nos conscientizarmos do que hoje somos e sofremos.

Não vamos falar de fatos recentes... isso já está muito presente em todos nós. Vamos retroceder setenta e um anos. ..

Já tive oportunidade de escrever aqui sobre o ano de 1929. Falei da enchente provocada ... falei da vinda da energia elétrica às nossas ruas .... enfim um ano bem movimentado.

Mas, 1929 nos afetou politicamente. Os cidadãos comuns inicialmente não perceberam. No entanto, os fatos econômicos desse ano mudaram e direcionaram muitas vidas.

Aliás, precisamos sempre enxergar os fatos alem das evidencias. Uma das experiências que adquiri nesses anos foi analisar sempre o que acontece de uma forma mais profunda. A superficialidade facilita o não comprometimento.

Mas, retornando a 1929, os acontecimentos de uma terça-feira do mês de outubro em Nova York, iriam afetar o mundo, e acreditem... os simples moradores de um longínquo bairro em uma cidade da América do Sul.

Como? Simplesmente, o seguinte.

A quebra da bolsa de Nova York provocou uma catástrofe mundial quanto a economia. No Brasil, decisões políticas foram tomadas e as consequências logo se fizeram sentir. A crise do café afetaria diretamente na política provocando a ascensão do Sr. Getulio Vargas e um regime ditatorial.

Mas o que isso tem haver com a vida no Itaim-bibi?

Esperem mais um pouco...

Inicia-se um período de incentivo a industria interna e grandes obras públicas. Diminuem as importações, gerando a criação de pequenas indústrias de bens de consumo. Coisas como fabricar sabonetes, chocolates, bebidas, pequenas confecções e gráficas.

Enquanto isso acontecia, os moradores do Itaim e seus filhos e filhas buscavam melhorar sua qualidade de vida, passando de chacareiros a trabalhadores empregados. No entanto, nosso bairro ainda não possuía empresas de porte, então as opções apareciam em outros locais. Ao contrário de hoje, pois muitas e muitas pessoas vem em busca de trabalho aqui no Itaim -bibi.

No ano de 1934 fui trabalhar na Cartonagem Mazza na Rua José Maria Lisboa . Lá, junto com outras vizinhas do Itaim, confeccionávamos caixas de papelão para injeções e remédios. O trabalho feminino já era muito comum nas grandes indústrias. Aliás poucas eram as opções às mulheres. O trabalho operário era bem conceituado, ao invés do mais sofisticado e intelectual que era visto como inadequado a uma boa moça de família daquele tempo.

Foi por esse tempo que o governo de Getulio Vargas implantou as leis trabalhistas, procurando controlar a massa popular. De qualquer forma, essas leis nos protegiam . Pude tirar a carteira de Saúde que era o documento que comprovava meu emprego. Já falávamos em aposentadoria...e com as novas leis aprovadas, nós nos sentíamos mais protegidos realmente. No entanto, a vida continuava difícil na medida que novas necessidades iam surgindo. Afinal, o comércio e a indústria acenavam com novidades tentadoras como aparelhos de rádio, automóveis .Enfim, estávamos nos primórdios do consumismo.

Nos anos de 1935 a 1939, fui trabalhar na Malharia Baugarthen na Brigadeiro Luís Antônio. Foi um período muito feliz na minha vida. Namorava Nicola, que costumava me levar e buscar todos os dias...e trabalhava em um lugar que me proporcionava um convívio agradável com as colegas e os patrões. Sentia-me uma profissional útil a minha família e a mim mesmo. Naquele tempo, eu sonhava com um futuro feliz.

Esta foto foi tirada em 1938 exatamente na porta da malharia. Estou sentada, vestindo um casaquinho branco. Repare que as mulheres eram a maioria entre todos os funcionários. O portão aberto mostra o cenário que existia na atual Av. Brigadeiro Luís Antônio quase esquina com Rua Groenlândia.

Foto

Nessa mesma região da malharia, havia uma grande fábrica de tecidos, de nome Calfat, que ficava localizada na esquina da Rua Estados Unidos. Perto do Ibirapuera havia uma grande fábrica de cera, a Parquetina.

E finalmente, em meados da década de 40, foi aberta a Fábrica de Chocolates Kopenhagen na Joaquim Floriano, o que permitiu a muitos jovens do Itaim trabalharem mais próximos de casa. Alem disso, houve um aumento de moradores em virtude da abertura de empregos nessa fábrica. O pessoal que trabalhava na fábrica começou a residir aqui no bairro.

Nota-se que em muitos bairros que hoje são considerados nobres, antigamente existiram fábricas, como a Bom Bril no Brooklin, a Ramenzoni no Cambuci, a Fábrica de Tecidos Lady aqui mesmo na Rua Leopoldo C. Magalhães, e assim por diante.

Com o passar dos anos, o desenvolvimento urbano empurrou as fábricas para outras regiões e diversificou o comércio.

Bem, relatar histórias não é somente contar memórias. Devemos entender o contexto da época para podermos nos transportar junto com seus problemas e soluções.

E conhecendo esse contexto, podermos entender que as decisões tomadas no presente influenciam o futuro. Seja em sua família ou seja uma decisão política que envolve um país e sua sociedade.

Somos parte de um todo.

Mesmo que parecemos estar distantes do poder público, suas decisões nos afetam. E aí só podemos atuar e interferir quando elegemos nossos comandantes. Saibamos escolher.

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