Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Novembro 10 de 2000
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Agradáveis domingos no Itaim antigo

Algumas das mais simpáticas lembranças que tenho do velho Itahim remonta as tardes de domingos.

Tardes recheadas de preguiça e conversas a beira da calçada.

Tardes recheadas de tranquilidade e paz.

Um modorra agradável.

Um tempo que passava devagar, quase parando.

Sem pressa.

Sem correria.

Uma tarde ao balanço da rede.

Uma tarde para se olhar as nuvens desenhando o céu.

Ou simplesmente conversar.

Sim, podíamos conversar nas calçadas a frente das casas.

Trocar histórias.

Comentar casos.

Rir e brincar.

O velho Itahim nos permitia ser comunidade.

Ainda não existia a televisão e a individualidade.

Existia sim a participação e a convivência.

As famílias e os jovens programavam passeios para as tardes domingueiras pela "Avenida". Isto é, a rua Joaquim Floriano... onde todos caminhavam, os casais, bem vestidos, de braços dados conversando, subindo e descendo a ladeira...era comum a expressão ‘Vamos passear na Avenida?" E quanto movimento! Quantas crianças brincando! Nessa foto eu estou com o Nicola , meu futuro marido, passeando em um belo domingo de sol pela Rua João Cachoeira.

Foto

Interessante observar que hoje as manhãs e tardes de domingo no Itaim-bibi se transformaram em lugares vazios...sem identidade...ninguém se aventura a caminhar pelas calçadas cheias de lojas fechadas e mendigos jogados pelo chão ou encostados nas paredes... o risco é grande...temos medo e cuidado...e acabamos por nos fechar em nosso próprio espaço. Pois aqui no Itaim-bibi não existem muitas opções... não possuímos uma praça agradável...um local de lazer público e seguro...nem centros culturais, museus, galerias, teatros, etc...

Mas, na década de 40 tudo era diferente...

As manhãs de domingo já começavam com as ruas movimentadas pelas famílias que se dirigiam à missa na Igreja Santa Tereza...o pessoal se encontrava pelos caminhos e ia conversando animadamente para a cerimonia religiosa...as missas só aconteciam no período matutino, fazendo com que as famílias se encontrassem festivamente quase sempre no mesmo horário....

Depois, era o momento do famoso almoço familiar do domingo.

Macarronadas, em algumas casas.

Kibes, em outras.

Ou então bacalhau ao forno bem douradinho.

Não interessa os costumes e a origem de cada família, após o fausto almoço, o objetivo era apenas se divertir .

E as tardes de domingo eram especiais.

Hora do encontro dos vizinhos.

Visitas de amigos.

Reuniões de parentes.

E aí sim, as igualdades e as preferências predominavam nas conversas.

Enquanto isso, crianças corriam pelas ruas ainda de terra.

Jogando amarelinha, caracol, pegador, esconde esconde, rodas e cirandas.

E quando o pessoal estava animado até mesmo os adultos entravam na brincadeira , pulando corda , ou jogando brinquedos que hoje são praticamente desconhecidos como o bilbloquê e o diabolo.

Diábolo

E nessas horas era comum ocorrer pequenos acidentes. Como certa vez, quando eu e Alberto, meu irmão, brincávamos um jogo por nós conhecido como "pino". Era muito simples...construíamos um pino de madeira cortando um cabo de vassoura de quinze centímetros com duas pontas... o colocávamos sobre um apoio... o objetivo era bater de tal forma que ele fosse cair ao longe...evidente que o pino jogado mais distante era o vencedor... naquela vez, eu joguei o tal pino caprichosamente mas, ele foi cair exatamente na testa de Alberto que simplesmente desmaiou na mesma hora...fiquei apavorada e chorando muito, acudi meu irmão que, felizmente, logo acordou ...um susto tão grande que acabou por excluir esse tipo de jogo das nossas tardes de domingo.

Havia diversão também na antiga Rua João Cachoeira onde existia um "jogo de bocha". Ficava localizado na esquina da Rua Iaiá e o dono era conhecido como ‘O Cabeça de porco"... Lá, havia uma pista para o jogo e até arquibancadas. Nas tardes de domingo o movimento era intenso...um verdadeiro ponto de encontro dos jovens rapazes da época...

Enquanto isso, as famílias passeavam pelas ruas e outras aproveitavam para ir assistir ao matiné no Cine Itaim , claro, na famosa Avenida esquina com a Tapera (Bandeira Paulista).

Alguns anos depois, vieram o rinque de patinação e outros cinemas.

Inclusive o Cine Lumiére que, para os saudosistas dos cinemas de bairro, fora de shopping centers, ainda é uma boa opção de lazer.

Também apareciam circos e aconteciam jogos de futebol .

No entanto, as mais cativantes lembranças que permaneceram daqueles dias passam pela a amizade, o divertimento , o envolvimento e a convivência dos moradores com seu espaço...como se fossem a verdadeira identidade e a alma de nosso bairro, que hoje não existem mais.

As tardes de domingo ficaram perdidas no tempo.

Inesquecíveis para quem as vivenciou.

Mas, quem sabe, sejam um pequeno exemplo de como podemos (e deveríamos) viver de verdade...e não sobreviver como fazemos quase todos os dias...

Aproveitando o tempo em momentos alegres junto aos seus.

Sem ansiedades...

Sem disputas...

Apenas procurando viver feliz no espaço que nos foi legado .

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