Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Dezembro 22 de 2000
Índice das Histórias já publicadas

Alegres recordações de Natal

Oitenta e dois "natais" já se passaram...

Felizes, tristes, saudosos, divertidos, inesquecíveis.

Oitenta...e dois.

Quantas reuniões familiares!

Quantos encontros de amigos...amigos que permaneceram, amigos que nos esqueceram ....

Quantas festas e situações engraçadas e pitorescas.

Afinal, foram oitenta e dois .... entre eles, lembro-me do divertido e alegre Natal dos italianos.

Lá pelos anos 30 tínhamos muita amizade com uma família que morava na Rua João Cachoeira. Uma típica família italiana. Isso significa que as festas familiares eram sempre centralizadas ali ...aliás, muitas festas... E assim eu comecei a conhecer os seus costumes: muita alegria, muita união e as vezes muita confusão. Naqueles tempos, as comemorações da véspera natalina eram discretas: um panetone e um brinde com champanhe já era o suficiente, sem presentes ou ceia... A grande festa era o almoço do dia de Natal. E que almoço! A minestra , o cabrito e o leitão eram os pratos principais. Muita fruta , muita carne, muito pão. E, muito vinho!!!! E é claro, o macarrão, amassado com carinho artesanal, preparado com dias de antecedência. Foi nesse tempo que aprendi com a Dona Fortunata a fazer a delícia que é o macarrão caseiro.

Mas era a alegria, a principal sobremesa: todos cantavam em italiano, dançando e acompanhando com palmas ... inesquecível...As vezes, alguns fatos desagradáveis aconteciam...como pequenas discussões que podiam até se transformar em brigas...Certa vez soube que em uma festa desse tipo, um italiano avançou sobre o outro, e acabou arrancando sua orelha...( e ainda não existia o Mike Tyson!!!) . Natal animado, não?!

Os costumes natalinos foram nascendo e se acumulando com o passar dos anos. Por exemplo, a árvore de Natal ganhou mais e mais enfeites...certa vez, na década de 50, ao comprar pela primeira vez um jogo de luzes para enfeitar nossa árvore levei um tremendo choque e os galhos pegaram fogo...foi uma correria tremenda pela sala ...Aliás fatos pitorescos não faltam quando relembramos festas natalinas.

Tal como o costume de comer peru. Hoje isso parece tão simples...a coitada da ave vem pronta, embalada, até temperada...mas ....nem sempre foi assim. Os perus eram comprados vivos e mortos (que horror) aqui mesmo em casa...Havia até um certo ritual: o peru era embebedado...isto é, davam muitos goles de uísque, caipirinha , Tc e o deixavam grogue mesmo ...e o coitado andava cambaleando pelo quintal resmungando um glu glu todo enrolado até que capotava no chão...acho que o pessoal fazia isso para amenizar seu sofrimento...ele iria morrer mesmo, então que morresse na "manguaça" tontinho, tontinho... E eu, como a dona da casa, tinha o compromisso de degolá-lo, depená-lo, e cozinhá-lo...imaginem só que Natal "divertido".

GibiNas décadas de 50 e 60 , eu e meu marido Nicola éramos os anfitriões das festas de Natal da nossa família italiana e também da portuguesa, e sempre com muitos, mas muitos amigos. Recebíamos cerca de 100 pessoas na noite e no dia de Natal. A Rua do Porto era o porto natalino para muitas pessoas. Distribuíamos presentes, comida a fartura, alegria e descontração...Uma tradição nossa era o trono do Papai Noel que montávamos no quintal para as crianças...meu irmão Alberto era o Papai Noel mais simpático e cativante. A sua chegada era triunfal. Vinha caminhando desde a Rua João Cachoeira tocando uma sineta, emprestada do Grupo Escolar, dando muitas risadas e chamando a todos. Nesse tempo, os presentes para as crianças já eram fundamentais. As vezes agradavam, as vezes provocavam situações insólitas . Como em certa ocasião , quando minha filha Nereide ganhou uma boneca imensa chamada Amiguinha. Ao ver o presente , simplesmente saiu correndo chorando e morrendo de medo...a boneca, uma das novidades da época e comprada com sacrifício, ao invés de agradá-la havia se tornado em um objeto de susto. Até hoje ela não acha nenhuma graça nesse objeto inanimado, paralisado, imóvel, com olhar fixo e distante. Nem com Papai Noel e tudo...

O cardápio destas festas era imenso...eu já ficava preparando tudo nos dias que antecediam a festa . No tempo que meu sogro era vivo, os assados eram feitos em sua padaria na Rua Bibi. Depois, esse costume permaneceu . Certa vez, na véspera de Natal aconteceu algo surpreendente : levamos um peru enorme até uma padaria aqui de nosso bairro, embalado em papel alumínio pronto para assar...e deixamos lá após combinarmos a hora da retirada. A tarde lá voltamos para pegar ( ou seria resgatar?) o peru assado, tostado, enfim pronto para ser servido. A tal ave continuava ainda envolta em papel alumínio mas com a pressa que é característica dessas ocasiões, pagamos o pacote e o levamos para casa. Lá chegando, finalmente tivemos a curiosidade de verificar o estado do peru. Fomos abrindo o papel com cuidado, e cada vez mais nossos olhos ficavam surpresos. Imaginem que só havia o esqueleto do infeliz. A carne havia sido retirada e removida com tanto cuidado e habilidade que o peru havia permanecido inteiro. Foi uma indignação. Quase na hora da ceia, e o peru daquele jeito... só osso e sem solução... hoje a situação parece no mínimo, pitoresca...mas naquela hora foi terrível. Moral da história: não confiem nas aparências, mesmo de perus!

Tudo isso fez-me lembrar de outra pequena história . Certa vez presenciei um fato incrível : uma vizinha ao chegar da feira, carregada de cestas, colocou sobre o muro de sua casa três pacotes contendo frangos. Pois não é que, enquanto ela guardava suas cestas dentro de casa, o lixeiro passou e pegou os pacotes com os frangos...a vizinha, ao perceber o fato, saiu correndo atrás do caminhão, que naquele tempo não triturava o lixo, e recuperou os frangos. Naquela noite, na ceia de Natal, essa vizinha estava presente, e logo imaginei, que os seus frangos também...eu e minha família apenas nos entreolhávamos ao ver os "famosos" frangos bem ao centro da mesa envoltos em saladas, farofas, etc. , etc... ninguém ali imaginaria o passeio que eles haviam dado, antes de estarem participando da festa!!!!

E não faltava a famosa "tômbola" nas tardes natalinas. Primeiro era a hora de se escolher as cartelas ( as vezes uma pequena discussão acontecia quando havia preferência por uma determinada). Depois espalhavam-se os grãos de feijão pela mesa... serviam de marcadores.... E o sorteio das "pedras" iniciava-se. Dois patos na lagoa, a idade de Cristo, o pai de todos, e assim por diante. Claro que sempre haviam os desconfiados, os sortudos, os dorminhocos, os "comedores de bola". Enfim tudo era motivo para brincadeiras e divertimento. E no final , a alegria do ganhador, ou ganhadores, da "tchinquina" e da "tômbola" .

FitaE assim nossos Natais passavam...

Relembrando tudo isso, não posso deixar de sorrir, mas também refletir que o mais importante não são as festas e o grande número de presentes. O que importa é estarmos junto de quem amamos e respeitamos o ano inteiro. Pois o Natal deve estar junto de nós em cada dia do ano, em cada instante, em cada momento. Não são as festas e superficialidades que fazem o verdadeiro Natal...ele deve estar em nosso coração sempre. No amor, na união , na amizade e no respeito diário. A todos vocês, leitores, que me prestigiaram o ano inteiro lendo nossa coluna, desejo um Feliz Natal, pleno de amor e de paz. Obrigada.

PS: Gostaria também de desejar Feliz Natal a todos. Nereide Schilaro Santa Rosa.

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