Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Abril 06, 2001
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Uma amizade especial...

Um dos meus maiores orgulhos que hoje eu tenho é poder caminhar pelos espaços que conquistei...

Isso mesmo...digo conquistei pois vivendo e morando por setenta e sete anos em um mesmo local, sinto que foi uma verdadeira conquista sobreviver e permanecer.

E eu tenho o prazer de dividir esse orgulho com minha família e também com algumas amigas, velhas amigas do tempo da juventude, aliás da infância.

Hoje tenho o prazer de ainda desfrutar da amizade e do companheirismo de uma pessoa especial: Dominga "Nena" Calli. Amigas de escola, estudávamos na mesma classe no Grupo Escolar do Itahim em 1929. Vejam nós duas lado a lado com apenas dez anos de idade.


Nessa foto, recém tirada em minha casa, cá estamos novamente lado a lado...agora com 83 anos de idade, respectivamente.

Quando eu cheguei ao Itaim em 1924, a família de Nena já era uma das mais antigas da Chácara Itahim. Moravam em uma grande propriedade na atual Rua Bandeira Paulista esquina com a Rua Leopoldo Couto Magalhães Junior.

No entanto, após terminarmos o quarto ano no Grupo Escolar, nossas vidas se tornaram diferentes. Eu fui estudar no Colégio São José no centro de São Paulo e Nena foi aprender corte e costura com a Dona Ida, a mais famosa e bem sucedida costureira de nosso bairro.

Anos depois, nos casamos...interessante salientar que casamos no mesmo dia e na mesma igreja, em horários diferentes é claro...mas não sabíamos do fato e nem comemoramos juntas...fiquei sabendo da coincidência por acaso em uma de nossas conversas.

Aliás a vida é cheia de surpresas. Cada uma de nós, com suas devidas famílias, sofremos, trabalhamos, tivemos bons e felizes momentos, tristezas e alegrias...superamos dificuldades, enfrentamos dissabores e hoje, já idosas, podemos ver o resultado de tanto investimento de vida. Uma vida dedicada a família...dedicada a formar os filhos e filhas, netos e netas...Hoje podemos observar felizes o resultado de tanta dedicação...E poder conversar, trocar idéias, relembrar fatos tranqüilamente nas agradáveis tardes em minha casa...

Lembrar da São Paulo de antigamente...dos costumes e da educação rígida que recebíamos de nossos pais...do sossego das ruas dos bairros do Itaim e circunvizinhos...das missas na Igreja Santa Tereza, na São Judas Tadeu no Jabaquara, na Nossa Senhora Aparecida em Moema.

Fazer compras no Mappin do centro da cidade....ou na Rua 25 de março...coisas típicas dos velhos paulistanos.

Passear no Parque da Luz...visitar o Museu do Ipiranga...ou fazer piquenique no Zoológico...

Lembrar da infância de nossos filhos, de nossas preocupações como mães zelosas... contar das suas primeiras palavras, do primeiro dia de escola...das fantasias de carnaval e da Primeira Comunhão...dos aniversários com Guaraná e bolo...das cirandas e brincadeiras pelas ruas...

Coisas típicas de velhas mães paulistanas...

Trocar idéias sobre a velhice e suas limitações...e também sobre a velhice e suas vantagens tal como a sabedoria de quem adquiriu experiência de vida.

Hoje eu e "Nena" caminhamos juntas pelas mesmas ruas que nos viram nascer e crescer. E temos orgulho disso. Sabemos que somos privilegiadas e agradecidas a Deus e...somos fortes...sim, somos fortes porque realizamos nossos sonhos e permanecemos coerentes a eles. Valorizamos o trabalho e somos útil ao próximo. Sabemos que realizamos ações importantes em nosso meio...somos parte de um todo e convivemos com ele...ajudamos nossos familiares e sentimos uma força dentro do peito que nos faz viver e buscar a vida... a cada instante... a cada momento... Acreditamos na felicidade, mesmo que ela seja tão tênue e passageira...

Mas, temos a certeza que terá valido a pena cada instante...cada momento da nossa amizade...pois cada uma de nós superou seus obstáculos, ultrapassou expectativas.

Hoje cada reencontro é como uma surpresa para nós mesmas...como se fosse um ritual de renovação, ou melhor de confirmação que estamos ali...firmes e rijas... participantes e importantes...na medida certa de sermos felizes.

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