Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Maio 18, 2001
Índice das Histórias já publicadas
Só nos restará o luar?
Nesses
tempos de energia restrita, apagões, racionamento, certas lembranças remotas,
do início do século XX, começaram a aflorar ....
Baseando-se
na vida que tínhamos, eu e minha família, na
cidade de São Paulo desde o início do século XX, permitam-me relembrar
as dificuldades que passávamos quando não existia energia elétrica em nosso
bairro e mais ainda, o período de racionamento
que sofremos no período das revoluções de 30 e 32.
Viver sem energia elétrica foi simplesmente terrível. Eu e minha família vivemos assim de 1921 a 1929, pois esse foi o ano que luz elétrica chegou em nosso bairro, o Itaim-bibi. Mesmo morando com minha família na Rua Augusta, só podíamos desfrutar do lampião de gás nas ruas. Havia até um certo romantismo, mas também um certo pavor inexplicável: afinal a luz amarelada, mortiça, tremulando, fazia surgir pelas calçadas figuras e sombras sorrateiras. Em compensação, eu não esqueço o aviso do acendedor de lampiões, anunciando as horas pelas ruas, em plena madrugada.
Esta é uma foto da Rua Direita em 1882 com o lampião de gás.
Em nossa casa haviam somente lamparinas a querosene, ferro a carvão, geladeira de armário recheada com pedaços de gelo, gramofone a corda...
As lamparinas precárias iluminavam pequenos espaços...
O ferro de passar, pesadíssimo pois era feito de ferro fundido, com um local para se colocar o carvão em brasa, era assoprado pela dona de casa para manter-se aceso...
A geladeira, ou “armário gelado”, era um local onde se colocava uma grande pedra de gelo, que, evidente e invariavelmente derretia e, enquanto isso não ocorria, ajudava a manter certos alimentos em condições de serem consumidos.
E o gramofone de corda??? Esse funcionava a base da força e potência de quem o manuseasse...pelo menos, já podíamos nos distrair com algumas óperas e marchinhas...
Quando
a luz foi instalada na principal rua do bairro, a Joaquim Floriano, foi uma
alegria. O morador que quisesse ter energia em sua casa, deveria comprar um
poste de madeira, colocá-lo na frente da casa e puxar um fio da avenida. E então,
fazia-se a luz...Depois era só ir pagar mensalmente a caução da Light no
centro da cidade.
Luz!
Como ela nos fazia falta!
No
período da revolução, não adiantava ter energia em casa pois era proibido até
mesmo acender uma vela à noite. Uma pequena luminosidade significaria perigo
pois São Paulo era sobrevoada constantemente
por aviões do governo que pretendiam bombardear os bairros...foram
noites longas e terríveis, com medo e escuridão...
Para
andar de carro pelas ruas a noite em pleno apagão, os poucos carros e caminhões
que transitavam pela cidade, eram pintados com uma grande tarja amarela para
serem vistos ao longe e assim evitar as colisões... hoje seria inimaginável
solucionar o caos da escuridão em nosso trânsito dessa forma...imaginem só se
hoje os paulistanos iriam gostar de pintar seus automóveis com lindas tarjas
verdes e amarelas ( para sermos bem nacionalistas nesse momento!!!).
E
hoje, o que faremos sem energia??? Saberemos viver assim?
Sem
televisão, sem computador, sem telefone ( existem aqueles que funcionam com
eletricidade), sem elevador, sem as máquinas e mais máquinas que nos cercam... somente ouvindo o som de algum
gerador horrível que venha a ser ligado enquanto for cortada a energia...e o
pior, fechados em casa pois andar pelas ruas será ainda mais perigoso do que já
é....nada de restaurantes, cinemas, shoppings...
O
que faremos sem energia?
Talvez ler um livro...sim poderemos ler um livro sentados calmamente próximos de alguma pequena luminosidade que ainda ouse persistir e assim poderemos apreciar uma boa literatura, adquirir cultura...ou então aproveitar para trocar conversas com nossos familiares, melhorando o relacionamento, talvez até jantando romanticamente a luz de velas. Ou ficar só, repensando em nossa vida, simplesmente. Poderemos observar melhor as estrelas e nossa linda lua que, de graça, sempre está presente, a nos fazer companhia...como uma amiga fiel...sem cobranças ou sustos. Com o luar poderemos sempre contar...mesmo atrás de alguma nuvem que, sem graça, queira nos atrapalhar a visão...saberemos que ela, a lua, estará ali...a nos espreitar, iluminando os nossos caminhos...
E de repente, essa situação tão esdrúxula quanto revoltante que hoje nos apresenta, de sofrer apagões intermitentes e diários, nos faça repensar muita coisa... inclusive como devemos escolher nossos governantes!
Convide um amigo para ler esta matéria
Envie seu comentário à autora deste artigo
Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida, armazenada em sistema de recuperação de dados ou transmitida, de nenhuma forma ou por nenhum meio eletrônico, mecânico, de fotocópia, gravação ou qualquer outro, sem a prévia autorização por escrito da autora.