Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Novembro 16, 2001
Índice das Histórias já publicadas

Lembranças do Mercado Central

Era o ano de 1933. Com apenas quinze anos de idade, lá ia pela Rua São Bento em direção à Rua Cantareira. Caminhava apressada, carregando minha mala com meus livros e cadernos. Após as aulas no Colégio São José na Rua da Glória, era comum eu me dirigir ao recém-inaugurado Mercado Central para comprar alguns produtos. Na verdade nós o chamávamos de Mercado Grande.

Prédio imponente ficava localizado em meio aos jardins do Parque Dom Pedro I. Aliás, belos e aprazíveis jardins, que cercavam o Rio Tamanduateí. Um verdadeiro parque o qual São Paulo, infelizmente, perdeu.

O novo mercado logo cativou os paulistanos. Pela qualidade dos produtos, pela variedade e pelos preços. Morando distante do centro, no Itaim bibi, não possuíamos mercearias com oferta de produtos diferenciados Coisas como peças de mortadela, queijos, salames e presuntos. E eu, alegre e feliz, caminhava em direção ao mercado para comprar e trazer, toda orgulhosa, esses produtos para minha família. Era um momento especial. Não importava se o embrulho atrapalhasse um pouco junto com a mala e o material escolar principalmente na volta na hora de pegar e subir no bonde. O importante era ter a oportunidade de saborear esses produtos.

E então, depois de caminhar alguns minutos pelas ruas ainda limpas e livres do centro velho de São Paulo, eu adentrava no espaço imenso do novo Mercado. Um espaço que nos deixava encantados quando olhávamos os vitrais, as colunas, a altura das paredes que nos dava a impressão de opulência e fartura. Aliás, não uma falsa uma impressão, pois a fartura era, e ainda é, real,

Lá dentro era só saborear com os olhos as cores e as imagens de tantos produtos, dispostos pelos balcões tais como obras de arte emolduradas por uma arquitetura harmônica e bela. E depois sentir o prazer de apreciar os aromas. E quantos eram! Quanta variedade! Cada espaço com seu aroma específico... Das frutas maduras e em grande quantidade... Dos frios, como a mortadela (a nossa preferida), o presunto e os queijos enormes...

Uma beleza envolta com o espírito de antigamente... A tranqüilidade do espaço... A limpeza e a educação dos vendedores...

E eu, ainda tão pequena, me deliciava com esse momento quase mágico. Como se, naquele instante, tivesse acesso a um mundo tão diferente distante a apenas uma simples viagem de bonde até o Jardim Paulista.

Ano após ano, até eu me casar em 1939, costumava fazer compras para a minha família. Uma vez por ano, essa compra era especial. No Natal, minha mãe pedia que eu fosse comprar uma fruta que ela adorava: melancia... Uma simples melancia, a mesma que hoje temos como comprar em qualquer lugar, naquele tempo era tida como um evento à nossa mesa, como se fosse símbolo de fartura e progresso de nossa família.

Na Semana Santa, era a vez do meu irmão Alberto cumprir a obrigação de ir ao Mercado... Recordo-me claramente a sua figura em minha memória chegando em casa na quinta-feira santa trazendo o embrulho embaixo do braço com o peixe a ser cozido na sexta-feira da paixão. E que delícia que era saboreamos juntos o tão esperado peixe...

Anos depois, já em 1939, recém casada, o meu marido Nicola é que semanalmente ia até ao Mercado Central. Ele era dono de uma padaria na Rua Renato Paes de Barros. Nicola saía de madrugada, às quatro horas da manhã, guiando sua carroça com o objetivo de comprar suprimentos para a padaria. E lá ia com o seu cavalo trotando pela bruma da madrugada. O som das patas do cavalo se perdia ao longe... Eu ficava acompanhando-o até perdê-lo de vista. Horas mais tarde, eu novamente podia ouvir aquele som que indicava que estava voltando para casa. Dessa vez, mais devagar, com a carroça cheia de compras e mantimentos. Desde os cereais como arroz, feijão, milho, e batatas, legumes, verduras, até os famosos produtos secos e molhados.

Realmente é inesquecível para mim, e creio que para tantos paulistanos, o papel do Mercado Central em nossas vidas. De um jeito ou de outro, cada um com sua história, por muitos anos, aquele espaço fez parte de nossas vidas. Um verdadeiro monumento paulistano.

A Secretaria municipal de Abastecimento da Prefeitura de São Paulo nos informa o seguinte sobre o Mercado Central: O mais tradicional ponto de "gourmets" da cidade de São Paulo, o "Mercadão", localizado no Parque D.Pedro II, vizinho do Palácio das Indústrias, atual sede da Prefeitura, foi projetado em arquitetura neobarroca por Francisco Ramos de Azevedo, com vitrais do artista russo Conrado Sorgenicht Filho, tendo sido inaugurado em 25 de janeiro de 1933, passou a denominar-se MERCADO MUNICIPAL PAULISTANO, através do Decreto nº 35.275 de 06/07/95.

Na surpreendente variedade de alimentos nacionais e importados está o segredo do charme do "Mercadão", como ficou conhecido o mais antigo dos 15 Mercados Municipais.

Mais de 1.000 empregados dos seus 316 boxes atendem a cerca de 20.000 fregueses que, a cada dia, levam mais de 350 toneladas de alimentos desse sexagenário prédio municipal.

Com uma área construída de 12.600 m2 e área de comercialização de 7.100 m2, o Mercado Municipal Paulistano, reconhecido como patrimônio histórico, em fase de tombamento pelo CONDEPATH, tendo sido restaurado pela Prefeitura em 1993.

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