Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Outubro 19, 2001
Índice das Histórias já publicadas
Antigas
brincadeiras
Brincar sempre foi e sempre será bom.
Lembro-me, com saudades, dos brinquedos e das brincadeiras que podíamos realizar pelas ruas e calçadas ainda de terra de nosso velho bairro. Um fato que era corriqueiro, pois tínhamos espaços amplos, árvores, terreiros, quintais que permitiam com que as crianças das famílias pudessem explorar seus ambientes. E essas descobertas eram sempre envoltas em aventuras, imaginação, competição, alegria. Subir nas árvores, chupar mexericas, arranhar os joelhos no chão de terra eram atos tão comuns quanto hoje crianças curtirem a televisão, sentadinhas passivamente na poltrona. Aliás, poucas famílias dispunham de aparelhos de tv e, as que possuíam, não dependiam de assisti-lo. Haviam outras opções interessantes e divertidas. Havia liberdade e segurança. Espaço e comunidade. Brincar em frente de casa com os vizinhos era quase uma obrigação. E isso acontecia nos bairros que hoje fazem parte da “elite” da cidade como o nosso Itaim-bibi, a Vila Nova Conceição, a Vila Olímpia, Moema, o Brooklin. Invariavelmente esses bairros tinham um espaço para se jogar bola, um campinho como se dizia antigamente, entre as casas térreas e assobradadas nas ruas tranqüilas e arborizadas. E lá era o ponto de encontro da garotada. Ou então andar de bicicleta, desviando dos buracos nas ruas de terra era tão divertido quanto brincar de pegador pela vizinhança. E a alegria se espalhava. Saudável. Arrisco a dizer até que parece que, antigamente, as crianças envelheciam mais tarde. Curtiam a infância até não poder mais... Parece até que já sabiam que a infância é tão passageira... E não volta mais. Infância que nos traz saudade como certa vez escreveu o poeta Casimiro de Abreu:
Oh
que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tarde fagueiras
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais
Assim
foi a infância de muitos paulistanos. Acreditem... Tínhamos a oportunidade de
fazer descobertas, aproveitar a alegria inocente, conviver com amigos.
Não tínhamos horários para cursos e mais cursos... A escola começava
aos sete anos e durava só quatro horas por dia...E na volta da escola já íamos
brincando pelas ruas fazendo muita algazarra. Hoje os cursos de inglês,
desenho, piano, natação, etc etc etc, tomam todo o tempo das crianças... E a
infância divertida passa... Vai embora... E não volta mais... Na ânsia do
saber, esquecemos de proporcionar vida e sabedoria, descobertas e
criatividade...As crianças de antigamente tinham menos oportunidade de estudar
e adquirir o culto conhecimento... Mas a prática e conhecimento do cotidiano
eram sua escola... Como um simples jogo de gude ou amarelinha os quais quanta
coisa nos ensinavam...Desde respeitar as regras até coordenação viso motora e
raciocínio lógico matemático visto que quanto brincávamos naturalmente
estabelecíamos relações com o espaço, com o movimento e o corpo. Além de
descobrir e criar histórias, muitas histórias, recheadas de fantasia e faz de
conta.
E
o jogo de gude, não posso esquecer. Afinal esse jogo era o preferido de meu irmão
Accacio. Ele era um verdadeiro campeão. Derrotava todos os amigos e possuía a
maior coleção de bolinhas do lugar. Um sucesso.
No
nosso quintal já tínhamos preparado o campo de batalha; vários buraquinhos na
terra cercados por um círculo. E a disputa era intensa. Cada
competidor tinha que acertar a bolinha do outro dentro daquele círculo.
Entre as várias versões que existem para se jogar gude, basicamente é um jogo
que se resume em perseguir e
apoderar-se das bolas vencidas.
Os jogadores procuravam sempre ser os últimos na ordem das jogadas. No início
jogavam-se as bolinhas dispondo-as no espaço.
E a primeira bola a cumprir
essa etapa era o alvo do jogador ou jogadores subseqüentes, o que explica o
interesse em querer jogar por último. Para compensar esta desvantagem, a bola
inicial tinha o direito de ficar escondida, isto é, colocada atrás de qualquer
pequeno acidente do terreno que dificultasse a jogada de seu perseguidor. A bola
de gude que estivesse fora dos buracos era também o alvo do jogador
seguinte.Como em todas as modalidades de gude, cada bolinha carimbada saía do
jogo, tornando-se propriedade de quem acertasse.O parceiro que atingisse a bola
do adversário tinha o direito de jogar novamente, só o perdendo se não alcançasse
a meta desejada, quando então cedia a vez ao companheiro imediato. Pois é, foi
dessa forma que o meu pequeno irmão Accacio conseguiu juntar tantas bolinhas de
gude que as colocava dentro de uma meia a qual carregava com dificuldade pela
casa, exibindo-as como um troféu, sua conquista.
Bem, fica aí uma sugestão de
diversão para nossos garotos. Sei o quanto é difícil encontrar espaço e
terra para realizá-lo, mas, quem sabe, nós adultos, saibamos descobrir como
preservar essas brincadeiras junto aos nossos filhos e netos. Valerá a pena
tentar.
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