Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Junho 02, 2000
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Energia e progresso .
Parecia mágica, mas não era...
Parecia ilusão de ótica, mas era real
1929. A energia elétrica chegou ao Itahim. Inicialmente aos postes da Rua Joaquim Floriano, para depois se estender a cada morador. Nossa casa logo foi contemplada .
Imaginem nossa emoção! Uma novidade só comparada à Internet de hoje . A admiração e o orgulho tomaram conta de nossa comunidade. Nada mais de querosene no candeeiro. Nada mais de ferro a carvão... A modernidade chegara ao Itaim...Definitivamente, estávamos no século XX!
Quanto progresso a energia elétrica nos trouxe. Por exemplo, o cinema, o rádio e o transporte . Desde 1924 o único transporte público do Itaim para o centro da cidade era o bonde elétrico, a linha 45, que descia a Rua Augusta até a Avenida Brasil. Tínhamos que ir caminhando até lá para tomá-lo. Algum tempo depois, a linha desse mesmo bonde foi estendida até a Praça do Vaticano. Para chegarmos lá, íamos trilhando um caminho que atravessava uma ponte sobre um córrego , onde hoje se encontra a Av. Nove de Julho.
Ir até o centro desse jeito era uma viagem e tanto...
Mais tarde essa linha foi prolongada até o bairro da Cidade Jardim passando pela atual avenida de mesmo nome, que ficava quase dois metros acima das várias chácaras que a margeavam .
O trilho do bonde atravessava o Rio Pinheiros sobre uma ponte de ferro. Tive a oportunidade de fazer a viagem inaugural dessa linha. Eu, meus tios Alberto e Catarina, e a minha Tia Albina , portuguesa que morava na região da Cidade Jardim , embarcamos todos animados.
Foi inesquecível. O trilho cortava a mata virgem... e os meus olhos fitavam a paisagem. Podia sentir o frescor e o cheiro do mato. As orquídeas selvagens se destacavam em meio a mata , como se enfeitassem nosso caminho.
O bonde tinha um só vagão, aberto, com bancos de madeira . Trafegava lentamente. Apenas o suficiente para deslocar o vento em nossos rostos.
Balançava suave, sem pressa . Dispúnhamos de todo o tempo do mundo... Os segundos e os minutos eram longos e tranquilos. Afinal, para que correr ???
Mesmo com a velocidade baixa, em certo momento encontramos algo muito mais lento que nós. O bonde foi parando, parando e parou de vez.
Levantei-me para olhar e reparei que o motorneiro não tinha outra opção a não ser parar . Havia uma enorme tartaruga atravessando a linha . Ao lembrar desse fato, eu não posso deixar de sorrir... o "trânsito ficou engarrafado" por causa de uma tartaruga! Bem diferente dos dias atuais....
Retomando a viagem, o bonde atravessou a ponte de ferro e lá no fim da linha, já no bairro Cidade Jardim, descemos um pouco para apreciar o ambiente. Meu tios resolveram explorar a mata que era bem fechada. Só havia uma casa no local. Caminhamos algum tempo em meio as árvores . Porem não ficamos muito tempo ali, pois já tínhamos presenciado cobras pelo caminho e sabíamos que não era prudente sair de perto do bonde.O nosso passeio transcorreu tranquilo na volta, sem surpresas.
Arquivo Pessoal |
As novas opções de transporte e a energia elétrica , no final da década de 20 e início da década de 30, trouxeram um período de progresso para o nosso bairro. As chácaras começaram a dividir espaços com novas casas.
Várias famílias italianas vieram morar aqui, em residências confortáveis e espaçosas. Entre elas, a do Seu Fiore que morava na Rua Leopoldo entre a João Cachoeira e Clodomiro Amazonas, não muito longe da nossa casa. O Seu Fiore nos brindava quase todas as noites com sua linda voz de tenor, que ecoava por todos os lugares. Cantava com emoção.
A diversificação do comércio fez com que essas famílias recém-chegadas ao bairro tivessem novos ofícios , como sapateiros, costureiras, escriturários, etc. . Até a minha mãe, acompanhando a demanda , construiu em nossa chácara algumas moradias que alugava para famílias. Uma delas iria se transformar em nossos amigos. A família do Sr. Ângelo Sguillaro veio morar em uma das casas de minha mãe, enquanto construía a sua linda casa na Rua João Cachoeira. Tornei-me amiga inseparável de sua filha, a Ermelinda. Divertíamos a valer ouvindo o gramofone que eles possuíam. Eu nunca tinha visto algo assim. Aquele era o meu primeiro contato com a "tecnologia". Ouvíamos óperas, tangos, enfim ficávamos horas e mais horas cantando, dançando, ou simplesmente divagando em nossos sonhos de meninas.
Creio que o Itaim sempre foi um local privilegiado da cidade de São Paulo. Um local onde as esperanças e as alegrias permaneceram...Um local onde o progresso sempre fez parte da sua história . Ontem, como hoje , um espaço de trabalho e luta. Onde fincamos raízes.. fizemos história.. construímos um patrimônio.
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