Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Junho 09, 2000
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Festas portuguesas, com certeza!
O domínio do homem em seu espaço deve-se, em grande parte, a transmissão dos costumes, do saber comum, dos ancestrais a seus descendentes, somando-se modificações e experiências das gerações que se sucedem. Herança social, cultura. Expressão do sentir, pensar e agir do homem em sociedade. A cultura brasileira recebeu acentuada influência da cultura portuguesa, acolhendo língua, religião, usos e costumes de Portugal. Meu pai, minha mãe, meus tios, foram algumas dessas famílias que, como tantas outras, contribuíram para a cultura, as festas e os costumes no Brasil.
(Meu pai, o Sr Acacio Manoel Venancio, minha mãe Aurora, minha tia Albina e meu irmão Manoel, vindos de Portugal em 1911 - arquivo pessoal) |
Neste mês de Junho, a chama da cultura portuguesa renasce. É o mês das festas religiosas.Festas esperadas com ansiedade.
Festas que envolvem religião, participação e alegria. Costumes vindos da Europa portuguesa. Como as quermesses, a festa do Divino Espirito Santo, a romaria à Bom Jesus de Pirapora .
As noites frias, claras e enluaradas, o sereno e as geadas compunham o cenário. E de repente, eles chegavam. Os romeiros de Pirapora vindos de Santo Amaro.
Nós, os moradores do Itaim, espectadores, já conhecíamos aqueles sons. Ao longe, os fogos anunciavam a chegada. Vinham pela Estrada de Santo Amaro, seguiam a Rua Joaquim Floriano, levantando a poeira da estrada de terra. O nosso bairro era caminho habitual para os romeiros que seguiam até Pirapora. Inclusive alguns moradores se juntavam ao grupo .
O tropel dos cavalos, a gritaria e o falatório. Um momento especial que movimentava as nossas ruas e agitava a comunidade. Passavam em grande número. Seguiam, um atrás do outro, passo a passo, imponentes e belos. Ficávamos horas assistindo o desfile. Chegávamos a discutir sobre qual o cavalo mais bonito, ou o cavaleiro mais caprichado.
Um desfile de cores e imagens. Charretes enfeitadas com fitas coloridas e flores. Cavaleiros com capas longas, chapéus de abas largas, selas e botas enfeitadas com prata e couro. E bandeiras, que tremulavam ao vento, carregadas com o orgulho e a determinação de quem sabe e acredita no que faz. Seguiam com fé e perseverança, contra o cansaço e as adversidades. Uma verdadeira demonstração de pura religiosidade.
Outra manifestação religiosa que visitava o nosso bairro nessa época do ano, eram os grupos da Festa do Divino Espirito Santo. Lembro-me especificamente do grupo da congregação da Igreja do Divino da Rua Frei Caneca. O meu pai, no tempo que morávamos por lá, fazia parte da congregação. Depois que mudamos para o Itaim e ele veio a falecer, todos os anos o grupo da congregação vinha até nosso bairro e visitava a nossa casa. O interessante era que eles vinham com uma pequena banda, cantando e tocando, carregando a bandeira do Divino Espirito Santo. Nós já aguardávamos a visita, oferecíamos um lanche e fazíamos doações para a festa da igreja. Doávamos animais como galinhas e leitões ou então, como me lembro certa vez quando preparei um feixe de cana com um lindo laço de fita vermelha. Essas contribuições eram leiloadas em prol da Igreja. Havia também um senhor solitário que passava em todas as residências do bairro carregando o estandarte do Divino. Vinha vestido com uma capa vermelha sobre os ombros e carregando uma bandeira enfeitada com fitas e flores, com a imagem do santo. Era uma visita obrigatória em todas as casas.Assim sentíamos a proteção divina junto a nossas famílias.
Mas, uma das festas foi inesquecível, a Quermesse da Igreja São José. Essa igreja, que até hoje é muito conhecida, está localizada no Jardim Europa, antiga Chácara do Japão. Lá pelos idos do final da década de 20, os moradores do Itaim frequentavam essa única igreja da região. Inclusive eu mesma fui catequista lá.
Certa vez, a Igreja São José organizou, nesse tempo junino, uma linda quermesse na Avenida Brasil esquina com Av. Europa. Haviam poucas residenciais na região que já era urbanizada com esgoto, guias, bueiros para a água de chuva e ruas de paralelepípedos.
O que chamou a atenção de minha família e de outras famílias do Itaim, foi o fato de que, na festa haveria música e dança portuguesas, alem das comidas típicas de Portugal . Bastou isso para todos se animarem . Afinal esse seria um momento para recordar e matar a saudade de quem havia deixado suas raízes tão longe, além-mar.
Fui com meus tios na esperada quermesse. Íamos com um grande grupo, barulhento, com vários vizinhos, caminhando alegres pelas ruas da Chácara do Japão . De repente o meu tio ouviu um grito. O meu grito. Olhou para trás e não me viu. Eu continuava gritando. Aí ele me descobriu, quando olhou para o chão. Eu havia caído em um bueiro!!!! Imaginem, o susto. Meu tio foi muito rápido e me puxou pelas minhas longas tranças... Ufa! Salva pelas tranças!!!!Eu tinha um longo cabelo e foi isso que me salvou. Ainda bem que o bueiro estava seco e limpo ( havia sido construído há pouco tempo) e eu pude continuar o passeio e me divertir na quermesse. As barracas eram verdadeiros coretos, feitos de madeiras, com treliças, e pintados de branco. Eram feitos leilões de várias coisas como animais, objetos, frutas, cereais, etc e vendidos doces e comidas portuguesas à vontade. Os grupos de danças portuguesas se apresentavam nas ruas, tocando e cantando o "vira". Uma festa portuguesa, com certeza. Uma festa muito bonita e divertida.
Realmente participávamos dessas festas em outros bairros. Mesmo com a falta de transporte e ruas de terra, a alegria dos meses juninos nos contagiava . Mas tínhamos nossas próprias comemorações, organizadas pela vizinhança e a comunidade. As festas juninas em nosso bairro sempre foram pontos de união e participação de todos. Na próxima semana, contarei sobre as Festas Juninas no Itahim. Aguardem.
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