Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Junho 09, 2000
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As luzes de São João
E as festas juninas chegaram ao Itahim.
Junho, mês das luzes.
Luzes que invadiam, sem cerimonia, nossos espaços, nossa vida, nossa imaginação.
Luzes das estrelas no céu, misturadas aos balões, banhados de luar.
Luzes dos olhares das crianças, enfeitiçadas pela fantasia.
Luzes encantadas do brilho da fogueira, da tocha do balão.
Das estrelas de bombinhas e dos rojões...
Eram as festas de Santo Antônio, São João e São Pedro.
As noites escuras de junho ficavam salpicadas de fogueiras por todos os cantos do bairro como estrelas que desciam ao chão só para enfeitarem nosso coração.
Morando em meio a chácaras e plantações, comemorar e organizar os festejos juninos eram tarefas fáceis, feitas de maneira alegre e prazerosa. O tempo todo, durante o mês inteiro, os pensamentos e as ações das famílias eram dedicados a preparar as várias formas de homenagear os santos. E eram muitas ...
Naquele tempo, o dia de Santo Antônio não era dos mais comemorados. Todos esperavam a famosa noite mais longa do ano,a véspera do dia de São João, para festejar e tirar a sorte. E quantas brincadeiras e surpresas aconteciam...Adivinhar o futuro, as vezes, amedrontava o pessoal.
Uma das mais conhecidas brincadeiras era até um pouco assustadora: à meia-noite, com uma faca na mão, a pessoa deveria procurar uma bananeira. Quem tivesse coragem ia até a beirada do Córrego do Sapateiro. Chegando lá, deveria enfiar a faca no tronco da árvore e esperar pelo líquido que escorria na lâmina da faca. O desenho formado indicaria o seu futuro ...
Outra sorte da noite de São João era muito realizada pelas moças. Determinava escrever o nome de três candidatos a namoro, em três pedacinhos de papel . Depois, enrolá-los e colocá-los em um pires com água . Deixava-se o pires no sereno da noite da véspera do dia 23 e de manhã, um dos papeis aparecia aberto. Esse era o nome do "felizardo".
Existia também outra brincadeira de São João que mostrava o futuro: derretia-se chumbo em um pequeno frasco, misturando-o na água. O desenho que aparecesse indicava os próximos acontecimentos . Esse procedimento também era usado com clara de ovo, deixando a mistura no sereno da madrugada.
Mas, para nós, eu e meus irmãos Alberto e Acácio, era divertido passar noites e noites confeccionando um imenso balão. Gostávamos de fazer o modelo "mexerica" com 20 folhas de papel de seda que comprávamos na Rua Riachuelo. Cortávamos os gomos, preparávamos a cola feita de farinha, e íamos esticando e montando as partes, uma a uma, com cuidado, tomando todo o chão e os móveis do quarto. Depois de unir as partes, pendurávamos o balão no varal e o enchíamos de ar abanando as tampas de panelas. E no final, a tocha feita de parafina e estopa, era colocada como um troféu. Na noite tão esperada, nada poderia falhar... mas acontece que quase sempre falhava... A divertida construção do balão compensava a eventual frustração em ver o balão ficar no chão ou queimar logo no início... Hoje reconheço que foi melhor assim: afinal tenho a consciência que não contribuí para incêndios ou tragédias.
Os céus de Junho no Itahim ficavam mais brilhantes. Os balões confundiam-se com as estrelas e a beleza das luzes nos encantava. Ficávamos horas observando os modelos e as trajetórias definidas pelo vento.
De vez em quando algum balão caía em nosso quintal, e aí apareciam crianças e adultos vindos de todos os lados correndo para pegá-los. Traziam varas e paus nas mãos. Subiam nos muros e nos telhados. Soubemos até de um caso sobre uma criança que caiu em um buraco durante a correria.
Certa vez meu irmão viu um balão caindo em nossa casa e correu para local . Na ânsia de agarrá-lo, abraçou o balão inteiro. Ainda bem que já estava apagado, mas o resultado foi que Alberto ficou todo sujo com a fuligem do balão . Foi uma risada só quando ele entrou em casa, desconsolado.
Mas as festas não se limitavam a balões e brincadeiras de sorte . As festanças entre os moradores do bairro eram motivo de alegria e confraternização. Fogueiras, comidas, danças. O dia de São João ficava cada vez mais perto e os preparativos cada vez mais intensos. Na próxima semana contarei mais algumas histórias sobre as festas juninas no Itahim.
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