Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Julho, o7 de 2000
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Tempos de revoluções

Reclamações e reclamações... parece que hoje em dia vivemos só a reclamar . Se chove muito, reclamamos das enchentes. Se há seca, queremos chuva. Reclamamos do rodízio de automóveis, do rodízio de água, até do rodízio de pizza...Da fila do banco, do semáforo fechado ou da fechada do motorista

O que fizemos de nossas vidas? Uma série interminável de reclamações? Infelizmente, na maioria das vezes, são reclamações com poucas soluções. Dificilmente agimos para encontrar saídas... De qualquer forma, algumas reclamações são pertinentes, fundamentais. Como quando clamamos por paz e reclamamos da violência, da insegurança a cada esquina, que nos mete medo e nos isola em nossas casas cercados de cameras, vigilantes, alarmes, grades, sirenes. Estamos isolados. Sitiados.

Parece até que vivemos tempos de guerra!!!!

Mas só quem sentiu de perto a realidade de uma revolução pode avaliar e comparar com os tempos atuais.

Houve um tempo em que os paulistanos estavam tão ou mais apavorados do que hoje. Não acreditam? Então vejam só.

Caminhava, eu e Alberto, pela Rua Bela Cintra para fazermos entregas das encomendas da leiteria de minha mãe. Quando ouvimos as primeiras rajadas de metralhadoras...muito assustados, corremos para nos abrigar sob uma caixa d’água que lá existia . Ficamos ali por um bom tempo, ouvindo as balas cruzando o espaço. Era a revolução de 1924. E os bombardeios eram constantes. Por várias vezes eu vi os pequenos aviões cruzando os céus de São Paulo, jogando bombas no centro da cidade. Imaginem o pavor que sentíamos quando ouvíamos os sons do bombardeio. Realmente impressionante... Transcrevo aqui uma notícia da época: (...) Há dez dias, as forças leais ao governo começaram a bombardear São Paulo, provocando mais de mil mortes ( 27 de julho de 1924). Parece que as soluções daquele tempo eram realmente radicais!!! E os cidadãos paulistanos "pagaram essa conta", alguns com a própria vida.

Foto Foto Foto

A outra revolução que presenciei foi menos violenta. Já morava no Itaim-bibi e era o ano de 1930. A turbulência social e política que acontecia no Rio de Janeiro refletia-se até São Paulo. Assisti a passagem de diversos comboios do exercito atravessando o nosso bairro, pela Rua Joaquim Floriano em direção à Cidade Jardim. Dizia-se que nas montanhas do Morumbi existiam trincheiras. Caçambas puxadas por burricos carregavam munição, armas e canhões grandes e pequenos. Ao lado, os soldados caminhavam em fileiras carregando as suas mochilas nas costas. Os moradores assistiam a tudo isso, impassíveis, mas preocupados com uma nova revolução e suas conseqüências, pois lembravam fatos que ainda estavam frescos em nossa memória.

E finalmente chegamos a 1932. A memorável Revolução Constitucionalista. Eu, uma jovem de quatorze anos, idealista e romântica, observava todos os acontecimentos. Já estudava na Rua do Glória no Colégio São José, no centro da cidade e diariamente passava pelo Vale do Anhangabaú, Praça do Patriarca e imediações. Era inevitável assistir as manifestações revolucionárias. Os paulistas estavam realmente unidos e fortes. A campanha era envolvente e todos imaginavam que conseguiríamos conquistar as reivindicações e vencer Vargas. Havia a participação intensa dos cidadãos paulistanos. Roupas, bonés, cartazes, músicas, matérias de jornais, programas de rádio, tudo isso foi organizado. Comícios e passeatas.Até mesmo símbolos foram criados . Imaginem só que isso tudo aconteceu muito antes de existir o marketing dos tempos atuais!!!!...

Cartaz
Cartaz
Cartaz

Eu mesma usava um boné chamado bibi ( não tem nada haver com o Itaim-bibi!!!) bordado com as bandeiras paulista e brasileira. E fazia questão de exibí-lo junto com o orgulho de ser paulista. Com o passar do tempo, os ideais constitucionalistas foram ficando tão fortes até que no dia 9 de julho de 1932 estourou a revolução. A partir daí nossa vida quotidiana se alterou consideravelmente.

Nós, os moradores do Itaim, começamos sentir dificuldade e escassez de alimentos. Todas as madrugadas íamos para a frente da padaria na Rua Joaquim Floriano para esperar horas até comprar um simples pão pois a farinha estava racionada pelo governo. Todas as noites havia black-out. Era proibido acender as luzes de qualquer casa para que os aviões não as bombardeassem. Os poucos carros que existiam, foram pintados com faixas amarelas para que pudessem circular em meio a escuridão. Era proibido organizar reuniões ou mesmo agrupar pessoas. Todos viviam em silêncio. O medo reinava. Vários de nossos vizinhos foram lutar a frente das trincheiras e não mais voltaram. Com o passar do tempo não haviam mais notícias ou propagandas. A revolução estava enfraquecida e logo foi sufocada.

Tudo passou . Hoje ainda penso... e se o final tivesse sido diferente? Será que nossa sociedade estaria melhor?

Tanta miséria e tristeza que vivemos nesse período só pode ser justificada quando pensamos que o nosso conhecimento é construído a partir de nossas experiências.

Terá valido a pena?

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