Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Outubro 20 de 2000
Índice das Histórias já publicadas

Itaim, um bairro que se recicla.

Sempre é bom recordar.

E para mim recordar é resgatar imagens rurais em um espaço urbano.

Resgatar um tempo de liberdade .

Da infância pelas ruas de terra entre chácaras da Chácara Itahim.

Resgatar nomes e rostos com quem convivi.

Recordar espaços perdidos no tempo.

Um tempo atemporal.

Um tempo eternizado em meu olhar.

Olhar de quem vive e tem o privilégio de constatar mudanças .

Na verdade mudanças que muitas vezes incomodam.

Outras vezes orgulham .

Verdades que presenciei e que, inexplicavelmente, fluem de forma natural .

Basta apenas valorizar coisas simples .

Coisas como os tijolos de uma parede que ainda conservo em minha casa só porque foi meu pai que a construiu em 1924.

Ou então avenidas que foram ruas que foram ruelas que foram trilhas que foram campos.

Ou então hipermercados que foram lojas que foram residências que foram chácaras .

Coisas de quem ainda pode contar como é a realidade da vida: mudanças constantes, que procuramos assimilar e nos adaptar.

E que maravilha é adaptar-se às mudanças.

Se não fossemos capaz, como sobreviveríamos? Com certeza seria muito difícil para nós aceitarmos o trânsito, o barulho, até mesmo os odores do Itaim atual. Gosto de lembrar as caminhadas tranquilas pelas ruas de terra ou o correria que nós, crianças, fazíamos pelos campos das chácaras, uma algazarra saudável, o único som que ouvíamos. Risadas, falatórios, até mesmo cochichos, eram os sons que predominavam, acompanhados pelos sons dos pássaros que visitavam as arvores frutíferas dos pomares. Pareciam até que queriam imitar as crianças, em sua alegria e confusão.

O Itahim, no início do século, era assim. Veja no mapa as divisões das chácaras:

Mapa Mapa
Fonte: PMSP- DPH Fonte: PMSP-DPH

Clique em qualquer um dos mapas para amplia-lo

 

DesenhoA sede da Chácara Itahi ficava localizada no terreno que hoje está localizado no final da Rua Joaquim Floriano esquina com a Rua Iguatemi.

O "Bibi", Sr Leopoldo Couto Magalhães, morou nessa sede até ser vendida ao Dr. Brasilio Marcondes Machado que a transformou no Sanatório Bela Vista no ano de 1927. Bibi e seu filho Arnaldo foram morar na Rua Cojuba, onde hoje está a Creche Santa Teresa. Depois mudaram para uma linda casa que construíram na Joaquim Floriano n.72, ao lado do atual Supermercado Pão de Açúcar onde está localizado um grande prédio empresarial. Ficaram morando lá até 1961. Na verdade, esta casa ficava bem próxima da porteira de entrada da Chácara Itahi, por onde passei, em cima de uma carroça, no ano de 1924.

Arnaldo e os herdeiros Couto Magalhães resolveram lotear a região com vendas a prazo de terrenos de 10 x 50. Na década de 20 o povoamento do Itaim aumentou. Já tínhamos ruas abertas pelos próprios moradores, facilitando a comunicação entre as chácaras. Foi por esse tempo que meu pai conheceu o Sr Jacinto Barbosa que o incentivou a comprar nossa chácara aqui no bairro.

E tantos outros fizeram o mesmo.

As famílias se estabeleciam e abriam pequenos negócios. Geralmente construíam casas térreas na beirada da rua e ao lado um espaço servia para abrir um pequeno comércio. Assim era o empório da D. Maria e o Seu Rafael na esquina da João Cachoeira com a Joaquim Floriano. Lá se vendiam cereais de todos os tipos, grãos, mantimentos, enfim um mini "supermercado".

Logo ali, bem pertinho, a família Lepera morava também em uma casa térrea . O comércio deles era uma espécie de padaria... eu digo espécie pois era diferente das padarias como hoje conhecemos. Era um grande salão onde os clientes entravam e lá dentro havia um balcão simples onde os pães estavam a disposição para compras...aliás só haviam pães "italianos" isto é, aqueles pães de formato redondo e casca grossa e torrada por fora com aquela massa deliciosa, branquinha e fofa por dentro. O perfume da padaria dos Lepera nos avisava que era hora do lanche e café, até mesmo em minha casa quase um quarteirão distante.

Próximo ao mesmo local, fazia sucesso o barbeiro do Itaim. Aliás, um barbeiro sui generis: era enfermeiro, farmacêutico, massagista, enfim... atendia emergências de qualquer tipo: pequenos acidentes, machucados, entorses. Quando os jogadores do time de futebol do Itaim se machucavam, corriam a ser atendidos por ele. Algum remédio ali, curativo aqui, massagem e , quem sabe até um corte de cabelo e barba, pronto, tudo estava resolvido.

Assim era a comunidade do Itaim na década de 20....todos se conheciam e conviviam ...comerciantes antigos, festas regionais, time de futebol, o grupo escolar, o batepapo na porta da casa com as cadeiras colocadas em círculo para todos participarem, enfim harmonia e amizade não faltavam.

Muito interessante é observar o seguinte: as famílias que eram comerciantes e mascates aqui no bairro lá pelos idos da década de 20, 30 , 40 se transformaram em moradores e donos de muitas propriedades. Propriedades que hoje estão alugadas aos atuais comerciantes do Itaim. Uma espécie de tradição que se reciclou...

O bairro do Itaim-bibi foi oficializado como subdistrito de Pinheiros em 04 de outubro de 1934 e no ano seguinte passou a ser subdistrito do Jardim Paulista. Ainda podemos ver essa referência em algumas antigas placas de rua do bairro.

Mas, o Itaim-bibi tem vida própria.

Tem renda própria...é autosuficiente. Um bairro que gera empregos e contribui para a cidade e seus moradores. Um bairro de alto poder aquisitivo... que deveria ser independente a nível de organização municipal...poder decidir seus problemas e encontrar soluções sem dividir tempo e espaço com outros bairros. Quem sabe um dia atingiremos a "maioridade"...depois de quase um século de história, o nosso bairro merece.

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