Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Novembro 3 de 2000
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Finados: ritos e costumes

FloresNesta semana as lembranças do passado se aproximam com mais força. É a hora de relembrarmos amigos e familiares que não se encontram mais em nosso convívio.

Finados. Saudades. Lembranças.

Mas, a tristeza e a saudade que naturalmente sentimos são superadas quando sabemos que tivemos a oportunidade de conviver e viver momentos felizes junto a entes queridos.

Os seus exemplos resistem e permanecem em nossa formação. Exemplos de vida . Exemplos de caráter . Exemplos que os fazem estar presentes em cada instante de nossa vida, mesmo que, fisicamente e inevitavelmente, estejam distantes de nós. Estes são o seu maior legado. Recordá-los a cada dia. A cada decisão, a cada momento...

Muitas pessoas costumam ir ao cemitério prestar homenagens .

Aliás este costume é muito antigo...o respeito aos mortos sempre foi uma das características mais marcantes do ser humano. Seja no Egito antigo, seja no século XXI.

Respeitadas as diferentes formas culturais, o homem homenageia as pessoas que lhe foram queridas ou, de certa forma, importantes...quantas vezes estive no cemitério da Consolação visitando a campa de "Santa" Izildinha, uma menina que dizia-se fazer milagres.

Vemos homenagens como construir verdadeiros monumentos, obras de arte, que enfeitam os cemitérios da cidade. Ou então a busca de encontrar formas de preservar imagens, como o costume de fotografar mortos...

O Dia de Finados sempre foi comemorado com flores.

A minha mãe possuía uma grande plantação de flores em nossa chácara aqui mesmo na Rua João Cachoeira. Quando eu tinha apenas dez anos de idade, em 1928, o Dia de Finados já era motivo para trabalho... Nesse ano e nos anos seguintes, eu costumava seguir a pé, sozinha, até o Cemitério do Araçá carregando minha cesta de vime cheia de flores...Cruzava a Chácara do Japão, atingia a Rua Groenlândia até a Rebouças e chegava ao cemitério. Muitas vezes já ia vendendo as flores pelo caminho mesmo... e, em pouco tempo, havia arrecadado um bom dinheiro para minha mãe.

Mas também lembro-me de certos costumes antigos, que revelam-se surpreendentemente interessantes.

Ainda quando morava na Rua Augusta, em 1921, tive a oportunidade de ver um autêntico féretro da época. Relembro como fiquei admirada ao ver tanta pompa e opulência. Com certeza era o enterro de alguém muito rico, pois os dos pobres seguiam a pé pelas ruas ... mas, esse, em especial, me chamou a atenção pois era uma grande carruagem, preta, reluzente, enfeitada com cortinas e detalhes dourados...os cocheiros usavam chapéus com penachos e os quatro cavalos brancos tinham arreios enfeitados...o cortejo era acompanhado por uma pequena banda que tocava a marcha fúnebre e uma carruagem para carregar as coroas de flores. .. um verdadeiro exemplo de riqueza, talvez tentando superar a dor da perda..

Aqui no Itaim-bibi, os enterros também eram realizados a pé. As crianças costumavam seguir o féretro em duas fileiras, segurando flores....e lá íamos até o Araçá... chegando, após o enterro, a família do falecido oferecia um lanche às crianças que haviam participado...uma estranha forma de compensar o sacrifício e a homenagem prestada...

Mas, também tive a oportunidade de ver enterros pomposos aqui mesmo no Itaim-bibi... lembro-me, por duas ou três vezes a mesma carruagem sofisticada seguindo pela Rua Joaquim Floriano... com uma diferença: sua cor variava entre azul e rosa...isso mesmo, parece incrível, mas a cor indicava se o enterro era de uma menina ou menino ... Aliás, nas primeiras décadas do século XX, as famílias costumavam ter muitos filhos e as doenças rondavam frequentemente estas crianças... não existiam vacinas, antibióticos.... e os enterros, infelizmente, acabavam sendo numerosos e até mesmo, comuns.

Enfim, as formas se alteram , mas os costumes permanecem ... a saudade e o respeito fazem parte do comportamento humano.

Muitos moradores do Itaim antigo já se foram.. com certeza, eles contribuíram para a construção do espaço onde hoje vivemos...suas decisões e sua interferência vão sempre permanecer...mesmo que não percebamos, o passado influencia o presente e faz o tempo se tornar irrelevante .

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