Histórias de Dona Guiomar
escritas por Nereide S. Santa Rosa
Março 09, 2001 Índice das Histórias já publicadas

Amar São Paulo.

Nos últimos tempos, temos ouvido falar muito na mídia escrita e televisada sobre os problemas de limpeza e conservação de nossa cidade. Calçadas esburacadas, lixo pelas ruas, pichação nos muros e paredes, esse parece ser nosso constante visual...tão constante que se torna comum e aceitável...quer dizer, suportável...parece que as pessoas se acostumam com isso e se acomodam não se importando mais com o espaço em que vivem...como se não vivessem ali...como se não fizessem parte de uma comunidade...como se a cidade fosse descartável, um mero lugar para, apenas e somente apenas, morar, distante de tudo e de todos...E, pensando nisso, eu me pergunto...Por que?

Evidentemente , remeto-me a imagens e fatos, histórias e condutas que pude vivenciar por todo esse tempo de existência em terras paulistanas.Por exemplo, hoje, ao passar pela Avenida Santo Amaro, dói o meu coração...imaginem que, um dia , essa mesma avenida já foi bela, com árvores imensas que foram cortadas , destruídas. Algumas foram transportadas para outra avenida...isso mesmo, as árvores que hoje existem na esquina da Avenida Bandeirantes com a Imigrantes, estavam plantadas na velha avenida Santo Amaro...mas muitas se perderam... e o corredor de ônibus degradou toda a bela avenida... Antigamente, antes de existirem os Shopping Centers, os famosos cinemas Graúna, Guarujá, Radar e Vila Rica eram o charme da Avenida Santo Amaro... lanchonetes, restaurantes, lojas, e até mesmo moradias, principalmente na região do Brooklin, faziam a avenida agradável e bela...agora ela se transformou em um corredor de transporte coletivo, uma vocação que já era previsível até mesmo na década de 20 quando os tropeiros de Santo Amaro a utilizavam como estrada...mas por que ela está tão degradada, maltratada, pichada? Por que as pessoas não cuidam de sua cidade? Estive pensando...

Talvez precisemos de mais amor à cidade...E esse amor nasce a partir um vínculo...E o vínculo nasce da aproximação, do contato com a terra...A maioria das pessoas que vivem em São Paulo apenas usufruem do seu conforto e nada dão em troca...não cuidam, não se preocupam...As pessoas mantém um distanciamento de seu espaço. Antigamente, as pessoas moravam em casas e possuíam seu jardim, o que lhes proporcionava um contato saudável com a natureza, com o seu pedaço de terra. Sentir essas raízes é tão importante que nos faz estabelecer uma relação de fidelidade, amor e cuidado. Tenho meu pedaço de chão que cuido com carinho...minhas roseiras, minhas samambaias, meus gerânios e violetas...posso sair no quintal, sentir o cheiro de terra molhada pela chuva quando cai em meu jardim...sentir os pássaros compartilhando de minha janela, de minhas flores, posso até ajudar as abelhas a colher seu néctar e as borboletas passearem entre os galhos... posso colher frutas ou deixá-las como alimento aos pequenos passarinhos...  

Tudo isso, me remete à nossa cidade , que também é nosso quintal...Mas a maioria das pessoas, não enxerga dessa forma...Quem caminha pelas calçadas, caminha apressado, só pensando em seus afazeres pessoais e profissionais... raramente vemos pessoas caminhando usufruindo da paisagem, reparando nas poucas árvores que ainda restam e que estão floridas.As pessoas moram em prédios...bem longe do chão ( claro que, bem longe dos perigos) e isso gera um distanciamento do espaço urbano, do espaço de sua cidade...apenas olham as praças, as ruas, as pessoas pelas janelas...O transitar de automóvel pelas ruas mantém esse distanciamento do chão...nos fechamos em casulos envidraçados...não sentimos o vento em nossos cabelos...não sentimos as gotas de chuva...quando muito, apenas observamos...Nesta semana eu li um artigo que dizia que as pessoas que vivem em São Paulo mantém a esperança de se mudar da cidade quando for possível...só que a maioria se esquece que o tempo passa rápido e o que importa é o agora, o presente... o importante é manter nossa cidade viável, com qualidade de vida ...é tentarmos, e nos preocuparmos, em sermos felizes hoje... já! Tentem olhar nosso céu e perceber os sabiás, os bemtevis, os pardais e as garças que ainda voam disputando espaço com os helicópteros...Tentem adotar uma árvore de sua rua...Tentem ser donos de um pedaço de chão e considerar isso um privilégio, uma das maiores riquezas que alguém pode ter...Tentem amar São Paulo. Quem sabe, eu ainda possa sentir a São Paulo da minha infância... agradável e bela...um sonho, quase impossível... 

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